Nesta semana, a rede de fast food McDonald’s fez um anúncio categórico no Reino Unido: ficou sem recursos para produzir milkshake em 1.250 unidades em todo o país.
Mas esta notícia é apenas um sintoma de um problema maior: a crise na cadeia de suprimentos do Reino Unido.
Estima-se que só o setor de transportes precise preencher cerca de 100 mil vagas para atender à demanda que existe no país.
E foi alertado que se o governo não fizer algo a respeito, pode haver desabastecimento na maioria dos supermercados.
Não se trata apenas do setor de transportes: a Associação Britânica de Produtores Independentes de Carne afirmou nesta semana que pediu ao Ministério da Justiça para ampliar a cota de presos com autorização para serem contratados em tarefas de processamento de carne para atender sua demanda.
Eles argumentam que têm cerca de 14 mil vagas que não conseguem preencher.
“A indústria tem dificuldade em encontrar pessoas para preencher essas vagas. Vários de nossos associados contrataram prisioneiros com permissões especiais, mas não são suficientes”, declarou Tony Goodger, da associação, ao jornal britânico The Guardian.
“E o Ministério nos disse que eles tinham muita demanda, e que já havíamos atingido nossa cota de presos que poderíamos contratar”, acrescenta.
Mas quais são as razões desta crise?
Uma tempestade perfeita causada pelo Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia, e a pandemia de Covid-19 pode ser parte da resposta.
Brexit e Covid-19
Para entender o problema, podemos concentrar nossa atenção no setor mais afetado: o de transportes.
No início de agosto, a Road Haulage Association (RHA) emitiu o alerta: 100 mil motoristas de caminhão eram necessários para atender à demanda do mercado.
O Reino Unido acabava de suspender todas restrições impostas pela pandemia, a economia começava a ser reativada, mas no momento de suprir a demanda de pedidos, começaram os problemas.
Há várias razões pelas quais a escassez se tornou tão grave. Em primeiro lugar, a pandemia de Covid-19 tem parte da responsabilidade.
À medida que as viagens se tornaram cada vez mais restritas no ano passado e grande parte da economia estava paralisada, muitos motoristas europeus voltaram para casa.
E as empresas de transporte sinalizaram que muito poucos voltaram.
Além disso, a pandemia também gerou um grande atraso nas provas que os motoristas de veículos pesados fazem para obter a habilitação, tornando impossível ter novos motoristas suficientes ao volante.
As associações de transportadoras enviaram em junho uma carta ao primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, informando que 25 mil pessoas a menos haviam feito a prova, em comparação com o ano anterior.
Antes da pandemia mudar tudo em março de 2020, o Brexit havia entrado em vigor alguns meses antes — e esse tipo de inconveniente já começava a se apresentar.
De acordo com as mesmas associações de transporte, o Brexit foi uma das razões pelas quais muitos motoristas com cidadania europeia regressaram aos seus países de origem ou decidiram trabalhar em outro lugar.
Quando o Reino Unido fazia parte do mercado comum da União Europeia, os motoristas podiam entrar e sair quando bem entendessem.
Mas a burocracia na fronteira que foi imposta após o Brexit tornou muito difícil para a maioria deles entrar e sair do Reino Unido — e eles preferiram ficar trabalhando em países do bloco europeu.
Conforme foi sinalizado, os motoristas são pagos por quilometragem, e não por hora — portanto, atrasos custam dinheiro a eles.
A motorista Shona Harnett afirma que a questão das horas desanima alguns novos motoristas em potencial.
“Muita gente vai dizer que o dinheiro não é suficiente para o trabalho que é. Nunca tive problemas com dinheiro, mas as horas são o principal para fazer valer a pena”, diz ela à BBC.
Outros setores
E estas mesmas razões também estão causando escassez de trabalhadores em outros setores.
Por exemplo, o Conselho Britânico de Avicultura alertou que um em cada seis empregos, quase 7 mil vagas, ficaram sem ser preenchidos devido ao regresso dos trabalhadores da União Europeia.
E que essa situação pode afetar no Natal a oferta de peru, que é o prato principal da celebração em muitos lares britânicos.
Não só os processadores de carne tiveram que recrutar prisioneiros e ex-presidiários para suprir a demanda deste fim de ano, como o setor de hospitalidade se viu em apuros para conseguir funcionários para seus negócios.
Estamos falando do terceiro maior empregador do setor privado no Reino Unido.
De acordo com o Escritório de Estatísticas Nacionais, até junho havia cerca de 102 mil vagas de emprego no setor, o que representa um aumento de 12,1% em relação a 91 mil no mesmo período de 2019.
Agora, a análise feita por especialistas é de que o efeito do Brexit e da pandemia de Covid-19 nesta área teve um caráter diferente: as pessoas que deixaram de trabalhar para este setor perceberam que outros empregos pagavam melhor, e não voltaram.
“O Brexit e a pandemia certamente afetaram os negócios. Mas a verdade é que há muitos anos os salários no setor de hotelaria e restaurantes não têm sido os melhores”, diz à BBC Matt Shiells-Jones, gerente de hotel em Manchester.
“Os trabalhadores que deixaram a indústria durante a Covid-19 perceberam que ‘a grama é um pouco mais verde do outro lado’, depois de encontrarem vagas com melhor remuneração e menos horas de trabalho em outros empregos”, acrescenta.
A resposta do governo
As medidas mais urgentes foram tomadas, especialmente no que diz respeito ao setor de transportes, para evitar o desabastecimento.
O governo britânico anunciou uma flexibilização das regras da jornada de trabalho dos motoristas, o que significa que eles poderão aumentar seu limite diário ao volante de nove horas para 11 horas duas vezes por semana.
“Isso permitirá que motoristas de veículos pesados façam viagens um pouco mais longas”, disse um porta-voz do governo, “mas só deve ser usado quando necessário e não deve comprometer a segurança do motorista.”
A extensão temporária da jornada dos motoristas vai até 3 de outubro.
Em relação a setores como de carnes e aves, o governo também anunciou que serão tomadas medidas para ampliar um programa de capacitação nas penitenciárias do país.
O programa permite que os presos treinem em cozinhas das prisões, gerenciadas profissionalmente, por até 35 horas por semana, enquanto buscam qualificações profissionais para ajudá-los a encontrar emprego do lado de fora.
Um porta-voz do Ministério da Justiça disse que apoiaria “todos os setores com escassez de pessoal qualificado sempre que possível”.
“Ajudar os presos a encontrar trabalho durante a pena e após serem soltos torna muito menos provável que sejam reincidentes.”