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Aplicativos brasileiros tiram nota baixa em condições de trabalho, diz estudo

Por Redação

Em 17 de março de 2022

Um estudo coordenado pelo Oxford Internet Institute e pelo WZB Berlin Social Science Centre, realizado em 27 países, apontou que plataformas digitais brasileiras como Uber, 99, iFood, Rappi e Get Ninjas não oferecem padrões considerados mínimos de trabalho decente.

Segundo o relatório, que será lançado ao público nesta quinta-feira (17/3) e foi obtido pela BBC News Brasil em primeira mão, nenhuma plataforma brasileira obteve mais de 2 pontos, em um máximo de 10, em avaliação baseada em cinco princípios de trabalho justo — remuneração, condições de trabalho, contratos, gestão e representação justos.

iFood e 99 obtiveram apenas 2 pontos cada, enquanto a Uber recebeu 1 ponto. Rappi, Get Ninjas e Uber Eats ficaram com zero na classificação — apesar de constar do estudo, realizado em 2021, o serviço de entrega de alimentos da Uber encerrou suas atividades no Brasil em março deste ano.

Segundo os pesquisadores do projeto Fairwork, o resultado brasileiro é semelhante ao de outros países da América Latina, como Chile e Equador, mas pior do que o de continentes como África, Ásia e Europa, onde há plataformas com notas altas, como 7 ou 8 pontos, do total de 10.

Procurados pela BBC News Brasil para comentar o resultado do estudo, o iFood disse que está à frente da indústria, mas precisa e vai fazer mais; a 99 reconheceu a importância da iniciativa da Fairwork e disse trabalhar em parceria com a instituição.

A Rappi lamentou “o fato de o projeto não ter acessado as informações da empresa relacionadas ao objeto da pesquisa, o que provavelmente alteraria sua classificação”. Já a Uber não comentou os resultados, optando por destacar pesquisas que têm apontado a importância da renda obtida com aplicativos no contexto atual.

A BBC News Brasil não tinha conseguido contato com a Get Ninjas, mas, após a publicação da reportagem, a empresa enviou nota dizendo que “não foi consultada durante elaboração da pesquisa realizada pela Fairwork para esclarecer o modelo de operação da plataforma”.

Trabalho decente

Trabalho decente é um termo cunhado em 1999 pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) e faz parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 20130 da ONU (Organização das Nações Unidas).

“A ideia de trabalho decente é pensar não só na quantidade de empregados e desempregados, mas a qualidade desse trabalho”, explica Rafael Grohmann, professor da Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos) e um dos autores do estudo no Brasil.

“Entendemos que o futuro do trabalho tem de ser de trabalho digno, com menos precariedade e não somente de subempregos. Nosso objetivo é mostrar que empregos melhores e mais justos são possíveis na economia de plataformas”, acrescenta o pesquisador.

O projeto Fairwork foi fundado na universidade de Oxford, no Reino Unido, em 2018. No Brasil, além da Unisinos, participam da iniciativa a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).

A pesquisa e seus principais resultados

O grupo de universidades brasileiras colheu informações sobre as empresas através de pesquisa documental, evidências apresentadas pelas plataformas e entrevistas com trabalhadores.

Para elaborar a pontuação, cada um dos cinco princípios de trabalho justo é dividido em dois pontos, um básico e um mais avançado, só concedido se o básico é cumprido.

Em remuneração, é considerado se os trabalhadores ganham acima do salário mínimo local (R$ 1.212 atualmente) ou acima do salário mínimo ideal (R$ 5.513,17, segundo cálculo do Dieese). Aqui, só a 99 pontuou no nível básico, ao demonstrar que todos os seus trabalhadores ganham acima do equivalente ao salário mínimo por hora de trabalho.

Em condições de trabalho, são avaliadas ações para proteger trabalhadores de riscos específicos relacionados à atividade. Nesse ponto, Uber e 99 pontuaram, com políticas consideradas efetivas de distribuição de equipamentos de proteção individual (EPIs) e de seguro de saúde e contra acidentes.

Em contratos, é avaliado se esses documentos são apresentados de forma clara, compreensível e acessível aos trabalhadores todo o tempo, com notificação em prazo razoável sobre eventuais alterações nos termos. Somente o iFood pontuou aqui, evidenciando ter padrões básicos em relação a contratos justos.

Em gestão, é avaliado se a empresa possui canais de comunicação eficazes, processos de apelação transparentes e políticas antidiscriminação. Nenhuma empresa pontuou nesse item.

Em representação, foi avaliado se a plataforma tem políticas para reconhecer a voz do trabalhador e da organização dos trabalhadores. Novamente aqui, apenas o iFood pontuou, por ter criado, a partir do seu envolvimento com o projeto Fairwork, um fórum de entregadores, como canal de comunicação com lideranças da categoria.

Assim, nenhuma empresa superou os 2 pontos, do total de 10 possíveis, e três delas não conseguiram obter ponto algum.

“As pontuações mostram que, no mínimo, as plataformas digitais de trabalho vêm contribuindo para a manutenção e, provavelmente, para o agravamento das condições desiguais e precárias do mercado de trabalho brasileiro”, observam os pesquisadores em seu relatório final.

‘Situação muito ruim’

“A leitura que devemos fazer desse resultado é que o Brasil está em situação muito ruim, inclusive dentro da América Latina. Em países da Ásia e da África, por exemplo, Gana, Indonésia, Índia, Egito, tem plataformas que pontuam 6, 7, 8”, observa Rafael Grohmann, da Unisinos e da Fairwork Brasil.

“São em geral plataformas locais, que tem um pouco mais de relação com o bem comum e com a comunidade real do que algo somente por imagem”, avalia.

Ele afirma, porém, que o resultado brasileiro é similar ao de Equador e Chile, onde nenhuma plataforma teve resultado acima de 3 pontos.

Grohmann observa que o objetivo do estudo não é ser apenas crítico, mas propositivo, servindo de base na mudança de políticas das plataformas, nas escolhas dos consumidores (que dentro de um mesmo setor podem, por exemplo, optar pela empresa com pontuação mais alta) e na formulação de políticas públicas setoriais.

“O que a gente sempre coloca é que o cenário atual não é inevitável. Temos agora um primeiro retrato, o segundo relatório vai ser lançado em dezembro desse ano e o terceiro, em outubro do ano que vem. Vamos ampliar o número de plataformas avaliadas e continuar pressionando as empresas por mudanças. Muitas dessas mudanças já estão em andamento”, destaca o pesquisador.

Um futuro de trabalho digno

Para Grohmann, além dos exemplos de outros países, experiências nacionais de cooperativismo e de plataformas geridas pelo poder público com termos mais justos podem servir de norte ou alternativa para um trabalho gerido por plataformas mais digno.

Ele destaca ainda o papel da organização coletiva para a melhora das condições de trabalho. No relatório da Fairwork, os pesquisadores lembram das grandes greves de entregadores de 2020 e 2021, movimento conhecido como “Breque dos Apps”.

Os estudiosos observam uma frustração dos trabalhadores com os resultados da mobilização e as represálias sofridas em decorrência da luta. Para o professor da Unisinos, o processo de organização coletiva leva tempo, mas é chave para a mudança.

“É difícil organizar-se coletivamente em qualquer lugar, mas há uma série de lutas sendo travadas, organizações sendo montadas, há sindicatos e cooperativas de motoristas, entregadores e outros setores, como o de transcrição de vídeos do TikTok”, exemplifica.

“O caminho é a organização, mas organização leva tempo”, conclui.

O que dizem as empresas

Em nota, o iFood afirmou que tem se dedicado à criação de iniciativas que garantam mais dignidade, ganhos e transparência para os entregadores.

“Nossa nota na Fairwork mostra que, apesar das nossas iniciativas nos posicionarem à frente da indústria, precisamos fazer mais. E vamos”, disse a empresa. “Nossa equipe se reunirá com a Fairwork nos próximos dias para escutar a devolutiva sobre o estudo e colher insumos importantes para aprimorarmos nossas políticas em prol da categoria.”

A empresa citou como iniciativas que têm adotado dois reajustes de tarifas em menos de 12 meses; a criação de um seguro contra acidentes pessoais; o estabelecimento de mais de 1,4 mil pontos de apoio; e o avanço na relação com entregadores a partir do primeiro fórum com lideranças da categoria.

A 99, por sua vez, disse que “reconhece e reforça a importância da iniciativa do Fairwork Brasil e trabalha em parceria com a instituição, contribuindo proativamente e acompanhando de perto os resultados da pesquisa, que traz um novo norte ao setor no país”.

“Para a 99, o bem-estar dos motoristas parceiros é nossa prioridade, e trabalhamos diariamente, nos últimos 10 anos, para melhorar sua jornada”, acrescentou a plataforma.

A Rappi afirmou que “considera que a sustentabilidade de seu ecossistema digital somente é possível quando os três elos de sua cadeia são beneficiados, dentre os quais estão os entregadores parceiros. Desta forma, a empresa mantém um diálogo constante com eles e está permanentemente atenta a soluções que possam favorecê-los”.

A empresa citou como iniciativas que vem adotando a oferta de centros de atendimento presenciais; suporte em tempo real; cursos de capacitação; botão de emergência para situações de risco; seguro para acidente pessoal, invalidez permanente e morte acidental; e dois planos de assistência em saúde.

Mencionou ainda um fundo de R$ 25 milhões destinado a garantir aumento de ganhos aos entregadores entre junho de 2021 e janeiro de 2022, compensado o aumento da gasolina, que teria resultado em aumento de 34% nos rendimentos por pedido nesse período.

A Uber citou pesquisas do Ipea e do Datafolha sobre o setor, mas disse não poder comentar o estudo do Fairwork em detalhes por não ter tido acesso à metodologia e íntegra dos resultados.

“Uma pesquisa recente do Instituto Datafolha identificou que 82% dos brasileiros consideram que dirigir ou entregar com aplicativos como o da Uber ‘é um trabalho digno’ e, para 88%, é uma opção que ‘ajuda a reduzir o desemprego'”, citou a empresa, em nota.

“Os próprios motoristas e entregadores, entrevistados pelo Datafolha em outra pesquisa nacional, revelaram o desejo de manter sua autonomia como profissionais independentes, mas contar com os benefícios oferecidos pela Previdência Social”, observador a plataforma.

Uber e iFood disseram defender mudanças na legislação para permitir aos trabalhadores ligados às plataformas ter acesso à proteção previdenciária.

Após a publicação da reportagem, a empresa Get Ninjas informou em nota que o modelo de operação da plataforma a difere das demais empresas citadas pelo levantamento.

“Destacamos que o Get Ninjas opera como um classificado online, em que prestadores de serviço — o que inclui micro e pequenos empreendedores — anunciam seus serviços e conseguem novos potenciais clientes. Dessa forma, os profissionais utilizam a plataforma como um canal de anúncio para divulgar serviços e negociar com potenciais clientes”, disse a empresa.

“O contato, negociação e pagamento do serviço entre profissional e cliente são realizados por fora da plataforma e, desta forma, são os prestadores que definem preço, horário e condições do serviço junto ao cliente”, completou a plataforma.

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