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Quando o dinheiro foi inventado e como o dólar se tornou a principal moeda do mundo?

Por Redação

Em 17 de janeiro de 2023

A história do dinheiro é fascinante. Há milhares de anos, ele não serve apenas como meio de pagamento e acumulação de riquezas.

Também é uma unidade de conta, ou seja, um sistema que nos permite fixar preços e registrar dívidas.

A origem do dinheiro é tão controversa quanto sua definição.

Arqueólogos, historiadores, filósofos e economistas têm suas próprias teorias sobre o misterioso salto que os humanos deram quando desenvolveram os primeiros sistemas comerciais que sucederam a prática do escambo.

Podemos atribuir a origem do dinheiro às transações que eram feitas há milhares de anos com cereais, gramas de prata, objetos de argila, conchas do mar ou grãos de cacau, até chegar às moedas metálicas cunhadas oficialmente pelos reis do antigo Iraque.

Muito mais tarde, surgiram na China as primeiras cédulas de papel, criadas quando as moedas eram tão pesadas que carregá-las era um problema.

E recentemente, há apenas 70 anos, em negociações políticas realizadas até tarde da noite em um hotel escondido em meio às montanhas, uma nota verde chamada dólar passou a ser a moeda mais poderosa do mundo.

A BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, conta a história da origem e da evolução do dinheiro, essencial para entender como as transações comerciais que marcaram o desenvolvimento da humanidade mudaram ao longo dos anos.

As transações comerciais dos sumérios

Se pensarmos no dinheiro como algo material que nos permite realizar transações, alguns especialistas defendem que sua origem pode estar em gramas de prata ou cevada, cereal que os sumérios da Mesopotâmia (atual Iraque) comercializavam há cerca de 5 mil anos.

Esses produtos que, por um lado, tinham um valor em si, serviam também como unidade de medida e eram usados para quantificar o valor de outras coisas por meio do seu peso, como o valor de um escravizado, do trabalho, dos juros de uma dívida e até das promessas de pagamento.

Alguns trabalhadores recebiam seu salário em quantias fixas de coisas como cerveja ou móveis, diz Jon Taylor, curador das coleções cuneiformes e de selos cilíndricos do departamento do Oriente Médio do British Museum, em Londres.

Também era comum que as matérias-primas tivessem um valor quando comparadas entre si. A lã e as tâmaras, por exemplo, podiam ter um valor equivalente em gramas de prata.

Até mesmo “comerciantes que faziam operações de longa distância ofereciam uns aos outros uma espécie de crédito, por meio do qual podiam retirar recursos em um local e devolvê-los em outro, ou transferir o direito aos recursos para outra pessoa”, acrescenta.

“Se isso constitui moeda ou dinheiro é alvo de debate.”

Empréstimos com juros

Tudo depende de como definimos os conceitos. William B. Hafford, diretor de campo do Projeto Ur do Museu de Arqueologia e Antropologia da Universidade da Pensilvânia, nos EUA, argumenta que o dinheiro é “uma tentativa de quantificar o valor”, enquanto a moeda “é uma forma física de dinheiro, um artigo padronizado”.

Deste ponto de vista, a cevada e a prata eram formas de moeda e provavelmente o tipo mais antigo de dinheiro físico conhecido até hoje.

Agora, diz o especialista, a raiz do dinheiro está nas transações de crédito-dívida que existiam na antiga Mesopotâmia.

Hafford trabalhou por anos em escavações na área onde estava localizada Ur, uma das mais importantes cidades-estado da antiga Suméria, na Mesopotâmia.

Essas transações se baseavam no fato de que uma pessoa poderia obter algo de outra, prometendo algo em troca no futuro. Assim surge o conceito de dívida.

Então, essa forma de troca que surgiu primeiro em pequenas comunidades, se desenvolveria depois em comunidades maiores, até que, com o passar do tempo, a dívida acaba sendo quantificada quando se inventa a escrita, diz o especialista.

“Temos muitas tabuletas de empréstimos e dívidas na antiga Mesopotâmia. Em geral, também têm juros”, acrescenta.

O Código de Hamurabi, por exemplo, estabelece que a taxa de juros da prata é de 20%, e a do grão é de 33%.

O peso da prata

A prata foi a forma mais comum de quantificar o valor da maioria das coisas durante grande parte da história da Mesopotâmia.

“Muitas vezes encontramos tesouros de prata enterrados sob o chão para protegê-los. Eles contêm pedaços de prata cortados de vasos, de contas antigas, fundidos em barras ou em anéis em espiral”, explica Hafford.

Anéis em espiral eram a maneira mais fácil de transportar o metal, às vezes até amarrado no cabelo. Uma parte da espiral podia ser quebrada para pesar e pagar as coisas.

A taxa de câmbio típica era de 1 siclo de prata (8,4 gramas) por 1 GUR de grão (cerca de 300 litros). O grão podia ser moído até se transformar em farinha, um produto essencial para a alimentação.

O debate sobre as tabuletas mesopotâmicas

Em algumas tabuletas de argila da antiga Mesopotâmia, foi deixado o registro das dívidas. Segundo o historiador Niall Ferguson, alguns desses objetos (com tamanho menor do que uma mão) eram em si uma promessa de pagamento ao portador da tabuleta ou uma espécie de ordem de compra.

Em algumas, estava escrito, por exemplo, que uma dívida de quatro medidas de cevada deveria ser paga ao portador da tabuleta de argila, o que na prática transformava aquele objeto em uma espécie de dinheiro.

Conforme argumenta Eckart Frahm, professor de línguas e civilizações do Oriente Médio na Universidade de Yale, nos EUA, os comerciantes da Mesopotâmia às vezes usavam formas de dinheiro mais “virtuais” do que os metais tradicionais.

“As empresas comerciais de longa distância dos comerciantes assírios dos séculos 20 e 19 a.C., por exemplo, documentadas por cerca de 24 mil tabuletas de argila da cidade de Kanesh, no centro da Turquia, incluem elementos modernos, como cheques ao portador.”

“O pagamento era feito à pessoa que estava com o cheque, que vinha na forma de tabuleta de Kanesh”, explica.

Mas nem todos compartilham dessa visão do uso das tabuletas da Mesopotâmia como forma de dinheiro.

Nicholas Postgate, arqueólogo da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e ex-diretor da Escola de Arqueologia Britânica no Iraque, argumenta que, no contexto da Mesopotâmia, as tabuletas de argila incluíam registros de transações, mas não eram usadas como moedas.

“O mais próximo que temos do dinheiro, mas melhor dizer, da moeda, é a prata junto à cevada.”

Pesquisadores como Jacob Dahl, professor de assiriologia na Faculdade de Estudos Asiáticos e do Oriente Médio da Universidade de Oxford, no Reino Unido, sugerem o mesmo.

“As tabuletas cuneiformes não funcionavam como dinheiro. Elas tinham documentos de empréstimo que obviamente poderiam valer o dinheiro emprestado e os juros, e nos períodos posteriores da antiga Babilônia e da antiga Assíria havia notas promissórias”, argumenta.

Nessa época, ele acrescenta, a prata funcionava como um meio de troca muito parecido com o que você poderia imaginar como dinheiro, “mas como nunca foi respaldado por um banco central ou um Estado, você ainda não pode chamá-la de dinheiro”.

A primeira moeda cunhada oficialmente

As primeiras moedas cunhadas oficialmente por um governo teriam surgido por volta de 640 a.C. na Anatólia, atual Turquia, com o selo do rei Alíates da Lídia.

Essa moeda, normalmente feita a partir de uma liga de ouro e prata conhecida como electrum, é mais antiga que as moedas cunhadas na China, na Índia ou em civilizações como a egípcia, persa, grega ou romana.

A cunhagem de moedas fez sucesso por sua durabilidade, facilidade de transporte e porque elas tinham um valor próprio.

Ao se tornarem tão eficientes e valiosas, se transformaram em um instrumento de controle político. Facilitavam a arrecadação de impostos para manter as elites, permitiam financiar exércitos e expandir o comércio para além das fronteiras.

Junto às moedas, outras formas de dinheiro continuaram a ser usadas. Aliás, a palavra salário vem do latim salarium, cuja origem está no sal. Na época do Império Romano, soldados e funcionários públicos eram pagos com sal, um produto muito valioso que servia, entre outras coisas, para conservar alimentos.

Algumas das moedas antigas são tão raras quanto belas e, graças ao fato de terem sido preservadas ao longo do tempo, fornecem informações valiosas para estudiosos de civilizações que antecederam a nossa era.

Uma delas é a tetradracma de prata cunhada em Atenas, por volta de 450 a.C., com uma coruja, emblema da deusa Atena.

A chegada da cédula de papel: o jiaozi chinês

E quando as cédulas de papel apareceram? Durante muito tempo, a unidade monetária básica na China foram as moedas de cobre ou bronze com um orifício quadrado no centro, que permitia pendurá-las em um fio para formar uma corrente.

Mas, à medida que as viagens e o comércio se expandiram, também aumentou rapidamente a demanda por moedas para realizar transações. Houve uma época em que o cobre se tornou escasso, mas ainda mais importante, os governantes perceberam que era essencial manter o controle das divisas.

Como não queriam que suas valiosas moedas escapassem para terras estrangeiras, eles estabeleceram uma regra: apenas moedas feitas de ferro poderiam ser usadas.

Só que as moedas de ferro eram tão pesadas que nem as mulas nem as carroças com bois resistiam a tanta carga quando era preciso fazer grandes transações.

Imagine que, por um punhado de prata, te davam um saco gigante de moedas de ferro, do tamanho do corpo de uma pessoa.

Teriam sido os comerciantes que começaram a experimentar “instrumentos financeiros” de papel para evitar o transporte de grandes quantidades de moedas.

Foi durante a dinastia Song, por volta do ano 1.000 da nossa era, na província chinesa de Sichuan, que o império emitiu oficialmente o primeiro papel-moeda do mundo, o jiaozi, feito a partir da casca da amoreira.

Desde então, os comerciantes deixaram de usar suas próprias notas promissórias, e os governantes assumiram o controle do sistema tornando o jiaozi uma nota oficial.

Tão oficial quanto o dólar quando se tornou por decreto a moeda dos Estados Unidos em 1792.

As negociações que deram origem à supremacia do dólar

Quando a Segunda Guerra Mundial estava chegando ao fim, os governos dos países Aliados perceberam que tinham um problema: as economias estavam devastadas, e eles se perguntaram em que moeda o comércio internacional seria feito quando a reconstrução começasse.

Foi então que representantes de 44 países se reuniram durante 22 dias em julho de 1944 no Hotel Mount Washington, em Bretton Woods, nos Estados Unidos, para negociar o futuro das finanças e comércio.

Os países europeus chegaram ao encontro com profundas carências econômicas, e os Estados Unidos com as maiores reservas de ouro do mundo.

Foram 22 dias de reuniões com discussões políticas acaloradas que aconteciam nos salões durante o dia e no bar do hotel “The Moon Room” à noite, entre uísques e charutos, segundo conta Ed Conway em seu livro The Summit.

Dois homens se enfrentaram em um duelo intelectual quase até a morte: o britânico John Maynard Keynes (com sua ideia utópica de criar uma moeda comum para o mundo inteiro chamada “bancor”) e o americano Harry Dexter White, do Departamento do Tesouro, que acabou vencendo a batalha.

No final de Bretton Woods, ficou estabelecido que o dólar americano seria a moeda para as transações internacionais. E as duas instituições que foram criadas naquele encontro, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, fariam empréstimos em dólar a países com problemas econômicos após o fim da guerra.

Quem imaginaria naquela época que as negociações realizadas em um hotel escondido em meio às montanhas dariam origem à arquitetura das finanças internacionais que persiste até hoje.

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