
Muito antes de o Brasil estabelecer relações comerciais sólidas com os Estados Unidos, os norte-americanos já olhavam para a América Latina com um interesse estratégico, envolto em discursos de liberdade, mas guiado por interesses geopolíticos. A prova disso é a Doutrina Monroe, criada em 1823 pelo presidente James Monroe, que ficou conhecida pela frase “A América para os americanos”. Dois séculos depois, seus efeitos ainda ecoam em medidas como o tarifaço anunciado por Donald Trump, que começa a valer a partir de 1º de agosto de 2025 e impõe uma tarifa de até 50% sobre produtos brasileiros.
Reconhecimento diplomático e pragmatismo histórico
Poucos brasileiros sabem que os Estados Unidos foram o primeiro país a reconhecer oficialmente a Independência do Brasil, em 1824. À época, o governo norte-americano aplicava sua nova doutrina diplomática, defendendo que nenhuma potência europeia deveria intervir nos assuntos do continente americano. A ideia era barrar a recolonização por parte das monarquias europeias após a queda de Napoleão.
Essa postura, aparentemente benéfica às novas nações latino-americanas, logo se transformou em instrumento de influência regional. A Doutrina Monroe foi usada ao longo dos séculos XIX e XX para justificar intervenções, apoio a golpes de Estado e manipulações econômicas em todo o continente — inclusive no Brasil.
Da abertura dos portos ao alinhamento estratégico
A Abertura dos Portos às Nações Amigas, decretada por Dom João VI em 1808, foi o primeiro passo para o ingresso do Brasil no comércio internacional, incluindo o dos EUA. Com o fim do monopólio português, os norte-americanos passaram a fazer negócios diretamente com o Brasil, exportando manufaturados e importando matérias-primas.
A partir daí, formou-se um ciclo de dependência econômica que se estendeu até o século XX, quando a influência dos EUA passou a ser também cultural — com destaque para a força da indústria do entretenimento e da mídia norte-americana. Durante a Guerra Fria, o Brasil foi visto como peça-chave contra o avanço do socialismo, e a Doutrina Monroe deu lugar à doutrina da “segurança nacional”, igualmente intervencionista.
A cultura da submissão e a reação identitária
Se por um lado a produção cultural estadunidense foi massivamente exportada e absorvida pela população brasileira, por outro o Brasil desenvolveu, especialmente a partir dos anos 2000, uma identidade própria, afirmando sua posição no cenário global. A ascensão de governos com discursos nacionalistas e desenvolvimentistas reforçou essa autonomia.
Contudo, interesses norte-americanos continuam a se manifestar em momentos estratégicos — como nas pressões para mudanças econômicas, ambientais ou políticas. Grupos internos alinhados aos EUA frequentemente defendem reformas que beneficiam o mercado externo, em detrimento da soberania nacional.
O tarifaço de Trump: novo capítulo da velha doutrina
Em 2025, o ex-presidente e atual candidato Donald Trump voltou a aplicar a cartilha da Doutrina Monroe com nova roupagem: o tarifaço contra produtos brasileiros, que impõe uma tarifa de até 50% a partir de 1º de agosto. A justificativa oficial é a proteção da indústria americana, mas nos bastidores, a medida é vista como uma retaliação ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no Brasil, aliado declarado de Trump.
O conflito comercial ganhou contornos diplomáticos graves: o governo norte-americano chegou a cancelar vistos de ministros do Supremo Tribunal Federal, elevando a tensão bilateral. O governo brasileiro, por sua vez, respondeu com ameaças de retaliação via Lei de Reciprocidade, e conta com o apoio de grandes empresas americanas como Amazon, GM e Coca-Cola, que temem perdas bilionárias no mercado sul-americano.
Soberania em jogo
O episódio revela que, mesmo num mundo globalizado, as relações internacionais seguem marcadas por práticas imperialistas. A retórica da Doutrina Monroe, embora disfarçada de proteção regional, continua sendo utilizada para defender os interesses de Washington.
Para o Brasil, o desafio é manter sua autonomia política e econômica, fortalecendo alianças estratégicas com outros blocos e resistindo a pressões que atentem contra sua soberania. A História mostra que a independência formal conquistada em 1822 não garante, por si só, uma independência real nas relações exteriores.
Fonte: Maikon Leal é jornalista, professor de História e editor do portal Coxim Agora.








