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Moïse Kabagambe: imagens mostram esforço de socorristas, durante 20 minutos, para tentar salvar congolês no Rio

Por Redação

Em 7 de fevereiro de 2022

Foto: Facebook/Reprodução

Duas câmeras de segurança, dois corpos pretos, dois assassinatos: o Fantástico fala sobre histórias de Moïse e Durval.

Eles tinham em comum a pele preta e a coragem de cruzar obstáculos imensos para escapar da violência. Moïse fugiu do Congo só com os irmãos. A mãe mandou primeiro os filhos para o outro lado do Atlântico, não poder vê-los doía menos do que o medo de vê-los mortos na guerra civil.

Durval percorreu uma distância que no Brasil é abissal: de uma das favelas mais violentas de São Gonçalo, do Rio, para um condomínio – com endereço, portão e paz.

Sábado de manhã (5), enquanto uma grande manifestação em frente ao quiosque pedia justiça para Moïse, a repórter Sonia Bridi conversou com a viúva de Durval Teófilo Filho.

“Ele chegava sempre 23h. Minha filha já esperava ele toda noite na janela. E ela viu papai passando pela passarela: ‘Mamãe, papai está vindo’. Falei assim: ‘Ai que bom. Graças a Deus’”.

Foi na quarta-feira passada (2). O pai de uma menina de seis anos chegava do supermercado, onde trabalhava como repositor.

“Eu fui na cozinha quando eu escutei o primeiro disparo. Imediatamente, eu larguei tudo, peguei minha filha que estava na janela, fiquei com medo de bala perdida. Ela falou assim: ‘Papai, papai’. Falei assim: ‘Calma’. Quando eu escutei o segundo disparo, deu um grito. Um grito muito alto. Aí eu falei assim ‘meu Deus, tenha misericórdia’. Que Deus esteja com essa pessoa que está lá fora, mas meu coração já estava dizendo que era ele”.

As câmeras de segurança do condomínio registraram tudo. No carro parado no portão está o sargento da Marinha Aurélio Alves Bezerra, que mora no mesmo condomínio. O controle remoto do sargento não estava funcionando, e ele esperava que alguém abrisse quando Durval se aproximou. De dentro do carro, sem abrir a janela, o sargento dispara o primeiro tiro. Em seguida sai e dispara de novo. Durval levanta o braço, grita que é vizinho. O sargento dispara o terceiro tiro.

No depoimento à polícia, o assassino disse que confundiu Durval com um assaltante, mas não tinha havido um assalto ou tentativa, portanto não tinha um suspeito para ser confundido. Além disso, o assassino confessou que só depois de disparar três tiros, Durval caído aqui na calçada, sangrando, ele perguntou se ele estava armado.

Durval não tinha arma nenhuma. Cumpria uma rotina para evitar assalto, de já chegar perto do portão com a chave na mão.

“Ele abriu a mochila para pegar a chave quando ele recebeu o primeiro disparo. Viu um preto na frente dele. Na mente dele, com certeza, automaticamente, é um bandido. Foi maldade. Foi racismo, sim. Chegou perto do meu marido e efetuou o ultimo disparo. Quando eu inventei de abrir a porta, eu dei de cara com a minha vizinha, com a mochila dele no peito, com o chinelo dele na mão”, relata a viúva.

O sargento foi à polícia, apresentou a arma, mas foi ouvido como vítima. A verdadeira vítima foi apresentada como suspeito. O indiciamento da polícia foi leve. A pedido do Ministério Público, a Justiça trocou a acusação por homicídio doloso, com intenção de matar. O sargento está preso.

Da pior maneira, Luziane aprendeu que o racismo bate à sua porta: “Uma semana antes do meu esposo falecer, a gente estava discutindo sobre o assassinato do rapaz que morreu na orla a pauladas, eu perguntei, eu falei assim: gente, onde vamos parar”.

Moïse Kabagambe, 24 anos, foi imobilizado e morto com pelo menos 30 pauladas e golpes de taco de beisebol, dez anos depois de chegar do Congo com os três irmãos.

Os meninos fugiam de um país marcado pela tragédia. A República Democrática do Congo sofreu uma colonização sanguinária. Depois da independência, em 1960, sucederam-se ditaduras e guerras civis.

As praias do Rio escancaram a brutal desigualdade brasileira. Nos prédios em frente, apartamentos que custam milhões de reais, mas cariocas e turistas são servidos muitas vezes por pessoas que com frequência moram longe, e dormem na areia, para poder cumprir jornadas de 14, 15 horas por dia. Ganham por diárias. Não tem carteira assinada.

Esta semana, o Ministério Público do Trabalho abriu uma investigação para apurar se essas relações de trabalho se enquadram em escravidão moderna. Era a situação de Moïse e, provavelmente, também dos assassinos dele.

Sonia Bridi: O que você acha que motivou aquilo tudo?
Djodjo Kabagambe, irmão: Primeira coisa que eu acho, não sei se vocês concordam, mas racismo.

Pelo menos uma pessoa tentou ajudar. Com medo de represálias, ela só aceitou falar por telefone. Ela contou que deixou o marido e duas crianças na praia, foi ao quiosque comprar um refrigerante e viu a agressão.

“Fiquei olhando para ver se eles paravam. O rapaz pediu para que eu me afastasse e que eu não me metesse porque ele estava dando um corretivo porque o menino estava assaltando”, conta.

Ela se afastou, mas foi pedir ajuda a dois guardas municipais: “Falei: ‘Tem um rapaz sendo agredido ali; Está uma confusão naquele quiosque ali, será que vocês não poderiam ir ali dar uma olhada?’. E um dos guardas municipais me respondeu assim: ‘Está bom, pode deixar que a gente já vai ali já’. Aí eu fui andando e olhando para trás, e eles entraram simplesmente no carro e foram embora”.

Aí ela chamou o marido, na praia: “A gente chegou lá e ele já tava desacordado, entendeu? Desacordado e amarrado. Aí ele se aproximou de Moïse e disse: ‘Poxa, cara, eu acho que esse cara aqui está morto!’ Aí eu cheguei perto para ver a pulsação, e estava muito fraca”.

Só então o Samu foi chamado. E o casal diz que viu os assassinos mentindo para os socorristas que Moïse tinha sido espancado na praia. Imagens mostram o imenso esforço dos socorristas, durante 20 minutos, para fazer o coração de Moïse voltar a bater.

A Guarda Municipal do Rio informa que não recebeu nenhuma notificação em relação ao testemunho sobre omissão de guardas municipais.

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