A adaptação para os videogames de “Sand Land” destaca aquilo que Akira Toriyama, o criador de “Dragon Ball”, tanto amava desenhar: veículos. Entenda-se, veículos futuristas, sobretudo terrestres, como os tanques de guerra, motos e outras geringonças que pilotamos por grande parte do game -ao menos, a parte boa.
Afinal, esse “Sand Land”, lançado no final de abril, não é oportunista em relação à morte do quadrinista, que se foi em março passado, aos 65 anos, ainda colhendo os frutos das obras de sucesso milionário que fez em 40 anos de carreira.
Mas o game deriva de uma onda que incluiu uma recente animação do mangá de apenas um volume, publicado por Toriyama em 2000.
Infelizmente, apesar de vasto e com visuais impressionantes, que traduzem à perfeição o traçado de Toriyama para o 3D -talvez mais que qualquer outro jogo de “Dragon Ball”, mais próximo do refinamento dos “Dragon Quest”-, o jogo não esconde os ares de um produto licenciado. É um RPG de ação com boas ideias, mas com vícios antigos.
Aos moldes japoneses, o jogo se apresenta aos poucos, levando ao menos duas ou três horas para que o jogador seja apresentado a todas as facetas da aventura.
Num mundo pós-apocalíptico onde a água se tornou escassa, estamos no controle do jovem demônio Beelzebub. Exploramos um mapa desértico vasto, com cara de faroeste americano, ora a pé, ora sob rodas, navegando entre missões principais e secundárias que alternam lutas simples e a coleta centenas de tipos de itens para melhorar sua frota e modernizar cidade onde o protagonista se refugia com seus parceiros de jornada.
É uma travessia arriscada -o jovem aceita ajudar um xerife humano, velho e rebelde ao governo militar que controla o mundo que restou e sua fonte de água. No meio do caminho, cruzará com uma jovem de passado misterioso e outras figuras que vão apoiar essa luta.
Como é comum na fórmula dos animes de porradaria, o maniqueísmo é evidente, bem como estereótipos de personagens e suas construções, em diálogos e gestos exagerados. Tudo é compensado pelo estilo característico de Toriyama, suas figuras coloridas, cômicas e a arquitetura própria de suas máquinas e casas futuristas.
Mas seria mais eficaz se o jogo não embarcasse na mania de encher linguiça com diálogos genéricos e “cutscenes” que imploram para serem ignoradas.
É um clima que se instaura conforme passam as dezenas de horas do percurso principal, bem diferente da introdução do jogo, com momentos de perseguição e espanto pela descoberta daquele mundo.
Também é típico dos RPGs japoneses ter toda sorte de missões que apenas consistem em ir e voltar entre lugares, coletar um material X para construir outro Y, e essa prática funciona bem quando integrada ao andamento do jogo, conforme o jogador coleta armas, defesas, propulsores e chips que aprimoram e dão habilidades únicas aos seus veículos.
São neles onde ocorrem as batalhas mais interessantes e estratégicas, que consistem em atirar em monstros (sobretudo dinossauros e insetos gigantes) ou humanos inimigos e seus maquinários (militares, de gangues do deserto ou do mapa florestal da segunda metade do jogo) enquanto se lida com as limitações de um tanque -sua velocidade, capacidade de mira, munição-, de um veículo saltador -menor e mais rápido-, de um robô kung-fu ou mesmo numa camioneta com lança-mísseis, motos e veículos que flutuam. E é uma delícia poder trocar rapidamente entre eles durante as batalhas, e ainda poder personalizá-los na oficina.
Quando se sai dessas armaduras, porém, as lutas perdem a graça pela falta de complexidade. No mano a mano, esmagam-se os botões de ataque com uma ou outra habilidade especial dos seus parceiros, e esquiva-se de inimigos com ataques previsíveis e fracos.
Com o sistema de experiência novas habilidades podem ser adquiridas com o tempo, mas aos poucos esse tipo de luta se torna mais ocasional, como se o jogo não soubesse se decidir entre os dois caminhos que segue. Como se não bastasse, vez ou outra o jogo inventa inúteis seções “stealth”, em que se invade, por exemplo, uma vila ou base militar na surdina, na ponta dos dedos.
É um conjunto de jogo que contrasta com o visível esmero plástico e técnico. Os controles dos personagens e dos veículos são leves e fluidos, e o jogo está bem otimizado nos PCs. A assinatura de Toriyama é evidente no modelo dos personagens, no trabalho de dublagem e na concepção geral dos mapas abertos que sabem dar um senso de grandiosidade, mas sem ignorar as opções de viagem rápida.
Se até “Dragon Ball”, na sua fase tardia, teve altos, baixos e sequências caça-níquel, a nova adaptação do autor não escaparia tão fácil da armadilha. É uma aventura que vale enquanto dura, mas que, pelos percalços, deixa claro que há um deserto de distância entre este e o compacto “Sand Land” original, que nunca se levou muito a sério.
SAND LAND
Avaliação Bom
Onde Disponível para PC, PS4, PS5 e Xbox Series X|S
Preço R$ 242,50 (PC); R$ 299,90 (PS4, PS5 e Xbox Series X|S)
Produção ILCA