O STJ acaba de dar uma decisão histórica e da mais absoluta importância, no Habeas Corpus n. 598.051/SP, o Ministro Relator Rogerio Schietti Cruz, em um voto primoroso, estabeleceu que a inviolabilidade do domicílio sem mandado e sem flagrante somente poderá ocorrer com a comprovação formal, através de vídeo, do morador autorizando a entrada das autoridades policiais.
A inviolabilidade do domicílio é uma garantia constitucional que consta no Art. 5º, XI, da CF/88, “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.
Todavia, a jurisprudência já vinha sedimentando que se no contexto fático anterior à invasão puder se aferir a ocorrência de crime no interior da residência, cuja a urgência em fazer cessar o crime demande ação imediata, era legal a violação do domicílio. Com essa relativização da garantia é que a polícia em vez de aplicar a regra – requerer mandado – optava sempre pela exceção. Só que a violação do domicílio sempre ocorria/ocorre na periferia, com pessoas pobres, negras, e etc., tanto que tem um meme no qual o policial é tido como um leão na casa do pobre, e um cordeiro na casa do rico. A verdade é que contra o rico se cumpre a regra processual, contra o pobre a regra processual é sempre relativizada.
A nova decisão é um aviso de que o judiciário não vai mais passar a mão na cabeça do Estado para convalidar a sua incompetência e descalabros na persecução penal. Estão dizendo que a regra processual é pra todos, pobre ou rico, negro ou branco, e o Estado ao cumprir o seu dever de garantir a segurança pública deve sempre preferir ações de investigação, seguindo a regra processual, e sair da ostensividade costumeira que vem lotando os presídios de peões.
O Saudoso Luiz Flávio Gomes já alertava ao citar Ricardo Cintra Torres que “a excessiva benevolência do sistema jurídico para com as ilegalidades deixa a polícia preguiçosa: é sempre mais fácil invadir, coagir, ameaçar, e torcer para que alguma prova assim lhe caia nas mãos, do que realizar um trabalho investigativo sério” (a inadmissibilidade da prova ilícita no processo penal. RBCCRrim n. 12, p. 191)
Logo, parece-nos que a regra do avestruz (aquele que julga sem observar a realidade ao redor), está para acabar. Vale a pena citar a exortação de Conde Chatham que o Ministro acertadamente usou:
“O homem mais pobre pode em sua cabana desafiar todas as forças da Coroa. Pode ser frágil, seu telhado pode tremer, o vento pode soprar por ele, a tempestade pode entrar, a chuva pode entrar, mas o Rei da Inglaterra não pode entrar!”