A criação de Mato Grosso do Sul, há 48 anos, foi um dos raros episódios da história brasileira de redefinição territorial sem disputas acirradas. O traçado que separou o antigo Mato Grosso seguiu critérios geográficos, sociais e econômicos, resultando em fronteiras que respeitaram rios, relevo e identidades culturais já consolidadas.
Com isso, cerca de 65% do Pantanal ficou em território sul-mato-grossense, reforçando a ligação entre o novo Estado e o bioma que o define. Mais do que uma decisão política, a divisão refletiu a lógica das águas que molda o território e a cultura regional.
“Não houve disputa sobre quem ficaria com o Pantanal. O desenho respeitou o relevo, a hidrografia e as características culturais. A maior preocupação era administrativa: Mato Grosso era muito grande e difícil de governar”, explica o historiador Marcelo Piccolli, especialista em cultura brasileira.
Uma decisão de gabinete
A separação foi conduzida durante o regime militar, sem consulta popular. Apenas parlamentares e integrantes da Liga Sul-Mato-Grossense Pró-Divisão do Estado participaram das articulações políticas.
“Os militares queriam ocupar os chamados ‘vazios geográficos’ e garantir segurança nas fronteiras. Foi uma decisão de gabinete”, relembra Piccolli.
O novo Estado foi criado em 1975 e implantado oficialmente em 1977, marcando o nascimento de Mato Grosso do Sul como unidade federativa autônoma.
O sonho dos divisionistas
A divisão também foi movida por emoção e mobilização popular. Paulo Machado, um dos fundadores da Liga, foi figura central nesse processo. Sua filha, Marisa Machado, lembra que o pai recolheu assinaturas e liderou um estudo técnico solicitado pelo então presidente Ernesto Geisel, apresentando o projeto que deu origem ao Estado.
“Tudo foi feito de forma apressada, porque o sonho da divisão já era antigo entre os moradores do sul”, recorda Marisa.
Dois mundos distintos
Para Piccolli, a divisão apenas formalizou diferenças já existentes entre norte e sul do antigo Mato Grosso.
O sul tinha economia baseada na pecuária e na produção de erva-mate, com fortes vínculos culturais e comerciais com a Região Sudeste. Corumbá possuía uma cultura híbrida, com presença da Marinha e marinheiros do Rio de Janeiro. Já Três Lagoas sempre manteve relações diretas com São Paulo.
Enquanto isso, o norte vivia sob a lógica amazônica, sustentada pelo extrativismo da borracha e pela mineração de ouro.
“Eram duas regiões com realidades econômicas, sociais e culturais distintas”, resume Piccolli.
Essa divisão territorial, aliás, não foi a primeira. Em 1943, durante a “Marcha para o Oeste”, o Território Federal do Guaporé (atual Rondônia) já havia sido desmembrado do Mato Grosso.
A lógica das águas
Se a política traçou as fronteiras, a hidrografia definiu a identidade do novo Estado. O Pantanal tornou-se elo vital e símbolo de biodiversidade, com o Rio Paraguai como principal eixo de conexão.
“Todos os rios das regiões mais altas nascem no planalto e seguem para o Pantanal. O Paraguai recebe as águas dos rios Cuiabá, São Lourenço, Piquiri e Itiquira, que vêm de Mato Grosso, e depois segue para o sul, passando por Porto Murtinho até desaguar no Rio Paraná”, explica Carlos Roberto Padovani, pesquisador da Embrapa Pantanal.
Segundo ele, 80% da água que alimenta o Pantanal sul-mato-grossense tem origem no Mato Grosso, criando uma dependência natural entre os dois estados.
“É fundamental que haja políticas alinhadas para a gestão da água”, alerta.
Foto: SOS Pantanal
Nhecolândia: a joia do Pantanal Sul
O lado sul do Pantanal abriga uma das paisagens mais encantadoras do planeta: a Nhecolândia. Cercada por lagoas doces e salinas, baías e vegetação exuberante, a região é um espetáculo de biodiversidade.
“Sem dúvida, é uma beleza única. No entorno, as piúvas floridas criam uma paisagem que só existe aqui”, descreve Padovani.
Turismo em expansão
Essa riqueza natural tem atraído cada vez mais visitantes. Corumbá, conhecida como Capital do Pantanal Sul, concentra 60 mil km² de área pantaneira e é a principal porta de entrada do bioma, inclusive para turistas vindos da Bolívia.
De janeiro a setembro de 2025, Mato Grosso do Sul recebeu 54.318 turistas, sendo 59% vindos pela fronteira terrestre com a Bolívia, segundo dados do Ministério do Turismo.
“O Pantanal de Corumbá reúne uma ampla diversidade de paisagens, fauna exuberante e cultura. É aqui que o turista vivencia a autenticidade da vida pantaneira, pratica a pesca esportiva e tem contato com tradições centenárias e hospitalidade única”, destaca Zelinho Carvalho, diretor-presidente da Fundação de Turismo do Pantanal.
Com a criação do Observatório de Turismo do Pantanal em janeiro de 2025, Corumbá voltou a ter estatísticas atualizadas, que mostram o predomínio de turistas brasileiros, especialmente de Mato Grosso do Sul, Sudeste e Sul.
Um Estado desenhado pela natureza
A história de Mato Grosso do Sul mostra como a geografia, a cultura e a hidrografia moldaram um território que nasceu de forma pacífica, estratégica e profundamente ligada ao Pantanal.
Mais que uma divisão política, o surgimento do Estado foi — e continua sendo — uma afirmação da identidade sul-mato-grossense, onde o curso das águas define não apenas o mapa, mas também o modo de vida de seu povo.
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