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CPI da covid: Houve ênfase do governo federal em relação ao tratamento precoce, diz ex-secretário de Saúde do Amazonas

Por Redação

Em 15 de junho de 2021

Ex-secretário de Saúde do Amazonas, Marcellus Campêlo, durante depoimento à CPI. Foto: Agência Brasil

O ex-secretário de Saúde do Amazonas Marcellus Campêlo disse à CPI da Covid que a primeira reunião com o governo federal sobre o colapso do sistema de saúde em Manaus, em 4 de janeiro, teve “ênfase no tratamento precoce”, com indicação do uso de medicamentos sem comprovação científica contra doença, como a cloroquina.

Campêlo esteve à frente da Secretaria de Saúde durante o colapso na cidade em 2021, quando houve explosão de casos de covid-19 e pessoas morreram por falta de oxigênio nos hospitais.

O ex-secretário disse que pediu ao governo federal a presença da força nacional de saúde em 31 de dezembro, além de ajuda em suprimentos e pessoal. Em 4 de janeiro, afirmou, o Estado recebeu a secretária do Ministério da Saúde Mayra Pinheiro – conhecida como “Capitã Cloroquina” – para discutir a situação da saúde local.

“Vimos uma ênfase da dra. Mayra Pinheiro em relação ao tratamento precoce”, afirmou Campêlo. “Ela recomendou que adotasse.”

Ele disse também que Pinheiro falou muito sobre o aplicativo TrateCov – criado para supostamente orientar médicos no diagnóstico e tratamento de covid.

Na prática, o aplicativo recomendava indiscriminadamente um coquetel de medicamentos sem eficácia comprovada, até mesmo para bebês.

O ex-secretário chegou a ser preso em 2 de junho em meio à investigação da Polícia Federal sobre a contratação de empresários para montagem de um hospital de campanha.

A operação também chegou a fazer busca e apreensão na casa do governador Wilson Lima (PSC). Campêlo foi solto 5 dias depois e negou qualquer envolvimento em irregularidades.

Falta de oxigênio

Sobre o colapso de saúde em 2021, Campêlo afirmou que havia uma programação de entrega de oxigênio da White Martins para hospitais e que a falta de oxigênio se deu por atrasos nessa programação, que previa a chegada de uma balsa com a substância em 9 de janeiro.

No entanto, um documento de 7 de janeiro enviado pela empresa White Martins à Secretaria de Saúde do Estado já dizia que seria necessária uma contratação adicional de oxigênio para a cidade.

O senador Eduardo Braga (MDB-AM) também lembrou que o consumo de oxigênio nos hospitais de Manaus vinha crescendo exponencialmente desde julho de 2020 e que o governo local teve seis meses para se planejar.

Braga mostrou cartas enviadas pela White Martins alertando em 16 de junho e em 9 de setembro que trabalhava com sua capacidade máxima e que não daria conta da demanda se ela fosse mantida.

Depois, Campêlo afirmou que no dia 7 havia a informação de que o problema seria de logística para entrega do oxigênio. A informação sobre isso foi passada para o Ministério da Saúde em 7 de janeiro, disse ele, em uma ligação especificamente para falar sobre o tema.

“Eu fiz uma ligação para o ministro (general Eduardo Pazuello) informando a necessidade de logística para transporte de oxigênio”, disse Campêlo.

Por telefone no dia 7, disse Campêlo, Pazuello orientou o secretário a procurar o Comando Militar da Amazônia, o que foi feito, segundo o ex-secretário.

Em depoimento anterior, Pazuello disse à CPI que só ficou sabendo da iminência da falta de oxigênio no dia 10 de janeiro, quando esteve em Manaus pessoalmente.

Campêlo afirmou também que havia feito uma reunião online com o governo federal pedindo ajuda em 31 de janeiro de 2020 e que enviou ofícios para o Ministério da Saúde nos dias 9, 11, 12 e 13 do mesmo mês. Aos ofícios, disse Campêlo, “não houve resposta que eu saiba”, disse.

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) lembrou que, apesar de não haver entrega de oxigênio, o Estado recebeu milhões de comprimidos de cloroquina no dia 8 de janeiro. “O sr. não pediu oxigênio mas pediu cloroquina?”, questionou Gama.

“Estávamos com estoque zerado do medicamento, que também é usado para lupus e malária (contra as quais o remédio tem eficácia)”, disse Campêlo.

Apesar dos diversos registros de pessoas morrendo por falta de oxigênio ao longo do mês de janeiro, o ex-secretário afirmou à CPI que só houve registro de “intermitência no fornecimento”.

Campêlo disse que recebeu e 14 de janeiro uma oferta do Estado venezuelano de Bolívar de cilindros de oxigênio líquido e que a aceitou. “Fui buscar pessoalmente”, afirmou.

A carga não poderia ser transportada em aeronave comercial, só militar, explicou Campêlo, que afirmou ter pedido apoio logístico ao governo federal para fazer isso.

O transporte acabaria sendo feito por terra, em caminhões, e o oxigênio chegou a Manaus apenas no dia 20. Levou-se, portanto, seis dias.

Eduardo Braga ressaltou ainda que o Estado não comprou usinas de oxigênio com os recursos que estavam disponíveis no fundo estadual de Saúde a partir da liberação de recursos pelo governo federal em julho de 2020 com a portaria nº 1666.

“Lançamos editais que foram fracassados”, disse Campêlo.

“Enquanto isso, as pessoas morriam no Estado por falta de oxigênio”, retrucou Braga.

“É lamentável falar que, em plena crise de abastecimento de oxigênio, com dinheiro em caixa, não compraram usinas de oxigênio, não construíram hospitais de campanha.”

O senador governista Marcos Rogério (DEM-RO) destacou que um aditivo de contrato com a White Martins para ampliar o fornecimento de oxigênio em 25% foi assinado pelo governo do Amazonas em 23 de novembro.

Campêlo explicou que a oferta para ampliar as entregas foi feita pela empresa em julho e que isso então tramitou no governo. “Levou seis meses?”, questionou Rogério.

O ex-secretário esclareceu então que esse contingente extra não seria suficiente para dar conta do aumento da demanda pelo insumo.

Rogério disse então que a falta de oxigênio foi por falta de planejamento das autoridades amazonenses. “Tanto que quando veio a crise, o oxigênio chegou”, disse Rogério.

Outras medidas de combate à pandemia

O senador ainda criticou o ex-secretário, que assumiu interinamente em julho de 2020 (antes, era secretário-executivo), por só ter elaborado um plano de contingência para lidar com a crise de saúde em setembro.

Campêlo disse na CPI que recebeu 80 respiradores do Ministério da Saúde após a primeira onda da pandemia, na gestão do então ministro Luiz Henrique Mandetta, mas que dez deles foram devolvidos por não serem adequados – eram respiradores de uso veterinário.

O ex-secretário disse na CPI que foi contra a revogação do decreto que instituiu o fechamento do serviços não essenciais, que passou a valer no dia 26 de dezembro e foi cancelado no dia seguinte.

Questionado se havia ocorrido uma pressão do governo federal para isso, Campêlo afirmou que “o governador foi pressionado pela manifestação popular”.

“Houve uma revolta generalizada no Amazonas, inclusive de parlamentares e do prefeito de manaus (Arthur Virgílio, do PSDB)”, disse.

Questionado sobre a tese da imunidade de rebanho, Campêlo afirmou que não acredita nisso. “Não participei de nenhuma reunião em que isso foi abordado”, disse.

O ex-secretário também teve de explicar por qual motivo o Estado não usou os recursos repassados pelo governo federal para ampliar o hospital universitário federal Getúlio Vargas, em Manaus, e na UBS de Tabatinga.

Campêlo disse que o Tribunal de Contas da União havia informado que esse dinheiro não poderia ser usado para fazer obras de construção civil.

“Mas vocês não aplicaram esse dinheiro de forma alguma”, disse Braga. “Tem horas que a gente fica sem saber o que dizer, porque é tanta coisa…”

O senador Otto Alencar (PSD-BA) disse que o ex-secretário não tinha competência para ocupar o cargo por ser engenheiro, ao que Campêlo respondeu que tinha o auxílio de técnicos da secretaria para tomar decisões.

Alencar a afirmou que isso, junto com o fato de Pazuello não ter experiência na área de saúde, levou ao colapso do sistema de Manaus.

“Com um militar da logística e um engenheiro, faltou oxigênio, faltou kit entubação, faltou medicamento, faltou EPI, faltou absolutamente tudo, só não faltou vergonha ao senhor e ao ministro da Saúde”, afirmou o senador.

O senador governista Jorginho Mello (PL-SC) fez coro. “Sua gestão foi uma tragédia”, disse ele ao ex-secretário.

Campêlo defendeu-se diante da CPI: “Tenho a humildade de dizer que fiz o que pude dentro da secretaria. Trabalhei, me dediquei com as equipes de saúde para fazer o máximo possível para salvar o maior número de vidas”.

O que a CPI já revelou sobre a crise de Manaus

Membros do governo federal que prestaram depoimento à CPI até agora têm empurrado a responsabilidade pela crise para o governo local, apesar do governador do Estado, Wilson Lima (PSC) ser de um partido aliado ao governo federal.

O general Pazuello disse à CPI que o culpado pela crise foi o governo local e o fornecimento privado de oxigênio. No entanto, ao mesmo tempo justificou a decisão do governo federal de não fazer uma intervenção federal na saúde do Estado dizendo que, è época, o governo considerou que o Estado tinha condição de lidar com a crise.

Pazuello também evitou envolver o presidente da República na decisão, dizendo que ela foi tomada “durante uma reunião de ministros” com Bolsonaro.

Para o senador Alessandro Vieira, “a decisão pela não intervenção em Manaus teve a participação direta do presidente da República”.

Sobre Manaus, Pazuello disse que só ficou sabendo da iminência da falta de oxigênio no dia 10 de janeiro.

O ex-ministro disse que no dia 7 de janeiro o secretário de Saúde do Amazonas lhe pediu apoio no transporte de oxigênio de Belém (Pará) para o interior amazonense, mas que nada foi dito nesse sobre risco de falta de oxigênio em Manaus.

Vieira diz que um dos pontos que ainda precisam ser esclarecidos – e que podem indicar omissão do governo – é a aparente recusa à oferta de um avião americano para levar suprimentos emergenciais a Manaus em janeiro.

Pazuello afirmou que a oferta americana não tinha chegado a ele. O ex-ministro acrescentou que, pelo que soube mais tarde, a oferta não seria gratuita, dando a entender que o governo brasileiro teria de pagar pela ajuda americana.

O ex-ministro também argumentou que o aplicativo do ministério da saúde que recomendava a cloroquina, o TrateCov, “foi hackeado”.

No entanto, o TrateCov foi efetivamente colocado pelo ministério no ar, com direito a um programa sobre seu uso na TV Brasil.

Pazuello foi reconvocado à CPI para esclarecer pontos que ficaram em aberto.

Mayra Pinheiro, negou que a pasta tenha indicado cloroquina para tratar covid-19.

Ela disse que o ministério apenas “orientou” o uso de cloroquina, mas nunca “recomendou” o medicamento. Questionada pelos senadores sobre a diferença entre as duas coisas, não explicou.

A médica foi quem sugeriu o desenvolvimento do TrateCov. À CPI, no entanto, Pinheiro afirmou que “quem criou o aplicativo foram os técnicos de sua secretaria” – como secretária, no entanto, a ordem precisaria ter partido dela para ser realizada pela secretaria.

Operação Sangria

Marcellus Campêlo foi preso em 2 de junho em meio à Operação Sangria da Polícia Federal, sobre a contratação de empresários para montagem de um hospital de campanha.

A PF investiga se houve fraude na dispensa de licitação para contratação de empresa privada para montagem dos leitos.

Campêlo foi solto 5 dias depois e negou qualquer envolvimento em irregularidades.

“Eu pedi para deixar o cargo após o cumprimento do mandado de prisão por uma questão ética, para não ser acusado de tentar interferir no andamento da investigação”, disse Campêlo à CPI.

O ex-secretário afirmou que foram feitos diversos chamamentos para contratação de novos leitos no hospital de campanha, com valores de tabela, mas as empresas privadas não se interessaram, mesmo após oferecimento de um incremento.

Campêlo afirmou que então foi feita uma requisição administrativa para que as empresas fizessem o fornecimento dos leitos, e não houve dispensa de licitação.

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