No século 20, a Igreja Católica chegou a proibir a manifestação, e o poder público e as elites organizavam eventos concorrentes na tentativa de dissimular a fé e a alegria de grande parte da população de Corumbá e de Ladário, que se reunia na beira do Rio Paraguai, entre os dias 23 e 24 de junho, para banhar a imagem de São João.
Realizada há mais de 100 anos, a festa não só resistiu como hoje reúne todas as tendências religiosas, inclusive a católica.
O ato de banhar o santo – aqui considerado milagreiro e casamenteiro – é único na celebração do São João no Brasil.
Tornou-se, nas últimas décadas, um megaevento promovido pelos municípios pantaneiros para atrair o turista, sem perder, porém, sua essência: o povo está à frente de toda a preparação dos andores e das procissões. Em 2021, foi tombado como Patrimônio Cultural e Imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O que para os párocos era profano, pelo fato de o cortejo em direção ao rio ser entremeado por ladainhas e ritmos que lembram o frevo, ganhou o pertencimento dos corumbaenses e ladarenses e a discriminação perdeu força na medida em que o sincretismo religioso predominou, hoje com acentuado controle do candomblé e da umbanda. Nada surpreendente em uma região onde mais de 65% da população é afrodescendente.
RENOVAÇÃO DA VIDA
A festa deste ano, de 22 a 25 de junho, incluindo shows e circuito gastronômico em Corumbá, mostrará todo o vigor da tradição e o envolvimento das comunidades, cuja fé e crença no santo emocionam quem assiste ao ritual, das casas simples de reza e terreiros ao “batismo” nas águas do Rio Paraguai.
O São João é uma das entidades sagradas de maior devoção local. A ele são feitos pedidos e promessas no âmbito da intimidade e da família.
Segundo pesquisadores e um dossiê elaborado pelo Iphan, no qual se baseou para reconhecer sua relevância imaterial, o Banho de São João não tem uma origem definida. Muito se falou em influências portuguesas, mas não há elementos históricos que comprovem com exatidão sua ascendência.
Porém, o pós-guerra com o Paraguai (1870) e o fim da escravidão (1888) foram os períodos mais prováveis em que a festividade se popularizou em Corumbá e em Ladário.
O catolicismo se curvou a esse envolvimento popular em torno do santo e chegou a abrir as portas da Matriz de Nossa Senhora da Candelária às religiões afro durante missas que antecediam o início das festividades, por iniciativa do padre Celso Ricardo.
O simbolismo do Banho de São João não está apenas na religiosidade. Acredita-se que a data marca o início da vazante do Rio Paraguai, um novo ciclo da natureza no Pantanal, e a abundância de peixes.
Festança terá quatro dias, com show nacional no Porto Geral
Organizado pela prefeitura, o Banho de São João em Corumbá (distante 430 km de Campo Grande, pela BR-262) terá uma programação de quatro dias, começando amanhã, no Porto Geral.
O espaço terá megaestrutura, com praça de alimentação e de artesanato e palco para shows nacionais e regionais, com apoio do governo do Estado. No primeiro dia, a atração fica por conta da dupla João Neto e Frederico, que se apresenta logo após o concurso de andores.
Na sexta, a cerimônia de descida dos andores (o número é indefinido, mas saem mais de 100) começa com uma missa e com a elevação do mastro do santo, onde a atração são os cantores de cururu com suas violas de cocho e a dança do siriri. Mas a passagem dos andores pela Ladeira Cunha e Cruz em direção ao Rio Paraguai não tem horário, geralmente começa ao anoitecer e segue até a madrugada. Alguns cumprem o ritual, isoladamente, durante o dia 24.
A população e os turistas se concentram no fim da ladeira e próximos ao rio para assistir e acompanhar os cortejos e passar por baixo dos andores. Diz a lenda que quem repetir o ato sete vezes casará no próximo ano.
No sábado, o circuito junino abre às 18h, com concurso de quadrilhas e shows de Isa Brandão, Leandro e Galeano, João Paulo e Dudu e Gurizada Baileira. No último dia (domingo), haverá shows regionais com Kaio e Gabriel e Juliana Monteiro.
Ladário
Cidade vizinha a Corumbá, Ladário também mantém a tradição do “batismo” de São João. A festa acontecerá na Praça Central, onde se encontra o centenário Santuário de Nossa Senhora dos Remédios, entre os dias 22 e 24.
No primeiro dia, se apresentará a dupla João Lucas e Walter Filho. No dia 23, haverá almoço pantaneiro, concurso e descida de seis andores ao Rio Paraguai e shows com Gílson e Junior e João Gustavo e Murilo. No dia 24, missas. (SA)