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Pandemia agrava ‘déficit de natureza’ em crianças e adultos: ‘Estamos menos vivos quando nos concentramos nas telas’

Por Redação

Em 16 de maio de 2021

“A criança sedentária e confinada dentro de casa era figura comum mesmo antes da pandemia do coronavírus – não apenas em bairros urbanos e suburbanos, mas também em áreas rurais, apesar de a natureza estar logo ali, da porta para fora, nesses locais”. Foto: Getty Images

Aumento na adoção e compra de animais domésticos, mudança na disposição dos móveis para garantir espaço para o banho de sol dentro de casa e crescimento na venda de plantas e flores. Esses são apenas três indícios de um problema comum enfrentado por muitas pessoas durante a pandemia do coronavírus: a falta de contato com a natureza, provocada principalmente pelo confinamento e isolamento social.

Além dos três movimentos, outro ainda reforça o que o americano Richard Louv convencionou chamar de “déficit de natureza”: o aumento do êxodo urbano. Somente nos três primeiros meses de pandemia, até junho de 2020, em São Paulo, a procura por imóveis nas cidades a mais de 100 quilômetros de distância da capital havia subido 340% na comparação com o trimestre anterior, segundo dados da plataforma ZAP Imóveis.

Muita gente começou a repensar a vida nas grandes cidades, privadas do contato com a natureza, em tempos de trabalho remoto e impossibilidade de acesso aos serviços da metrópole.

“Ironicamente, a pandemia atual, por mais trágica que seja, aumentou o déficit de natureza, mas também fez crescer dramaticamente a consciência pública da profunda necessidade humana de conexão com a natureza”, diz ele.

Autor de diversos livros, entre eles A Última Criança na Natureza – Resgatando nossas crianças do transtorno de déficit de natureza, Louv afirma que a pandemia, ao mesmo tempo que agrava nossa já distante relação com a natureza, fez muitas pessoas perceberem que essa conexão é essencial para uma vida saudável – física e mentalmente.

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Em entrevista à BBC News Brasil, ele afirma que “a pandemia nos incitou a imaginar novas imagens de um futuro em que nossa conexão com a natureza e uns com os outros, como parte da natureza, começa a ressurgir”.

Confira a entrevista:

BBC News Brasil – No livro A Última Criança na Natureza você trata da falta de contato com a natureza e o impacto dessa ausência na vida das crianças, tanto físico quanto psicológico. Durante a pandemia do coronavírus muitos de nós, crianças e adultos, fomos privados da vida perto da natureza, confinados em apartamentos e casas em grandes cidades. Como essa distância e falta de contato com a natureza podem nos afetar?

Richard Louv – Ainda que tenhamos que confiar mais na tecnologia, ao mesmo tempo a pandemia nos lembra que às vezes não sabemos do que precisamos até que esse “algo” desapareça – ou fique inacessível. Muitos de nós ficamos mais conscientes dessa necessidade de conexão com a natureza, e da necessidade de agir.

No meu novo livro, Nosso Chamado Selvagem (em tradução literal), eu escrevo sobre a epidemia da solidão humana. Mesmo antes da pandemia do coronavirus, o isolamento social rivalizava com o tabagismo e a obesidade como um risco para a saúde. O aumento da solidão humana é causado por muitos fatores, mas pode muito bem estar relacionado com a própria solidão da espécie. Nós estamos desesperados, como espécie, a não nos sentirmos sozinhos no universo. E não estamos, se prestarmos bem atenção.

Ironicamente, a pandemia atual, por mais trágica que seja, aumentou o déficit de natureza, mas também fez crescer dramaticamente a consciência pública da profunda necessidade humana de conexão com a natureza e está contribuindo para um senso ainda maior de urgência ao movimento para conectar crianças, famílias e comunidades à natureza.

Enquanto nos isolávamos em casa, muitos de nós ficamos fascinados com o aparente retorno dos animais selvagens às nossas cidades e bairros. Alguns animais de fato encontraram caminhos até o ambiente urbano. Mas muitos deles já estavam lá, escondidos da vista de todos. Durante os períodos de “lockdown” retomaram os hábitos naturais. Quando o ar e água ficaram mais claros e limpos, nós vimos não apenas o que estávamos perdendo, mas também do que esperávamos ver: o vislumbre de um mundo com a natureza restaurada.

Então, precisamos nos perguntar: Como será o mundo pós pandêmico? Estamos de fato nos preparando para potencializar os benefícios e reduzir os riscos da conexão entre humanos e o resto da natureza? O que será preciso para mover nossa espécie a agir contra os desequilíbrios climáticos, o colapso da biodiversidade, a ameaça de extinções em massa, e pandemias relacionadas à forma como tratamos os animais?

BBC News Brasil – Você fala da necessidade de termos “vitamina N”, de natureza. Como a pandemia afeta nosso corpo e mente com a falta dela?

Louv – A criança sedentária e confinada dentro de casa era figura comum mesmo antes da pandemia do coronavírus – não apenas em bairros urbanos e suburbanos, mas também em áreas rurais, apesar de a natureza estar logo ali, da porta para fora, nesses locais. E isso gera muitos problemas: como os jovens passam cada vez menos tempo de suas vidas em ambientes naturais, os sentidos se estreitam, fisiológica e psicologicamente. Somado a isso, a infância superorganizada e a desvalorização das brincadeiras espontâneas, sem regras, têm enormes implicações para a capacidade de autorregulação das crianças. Isso reduz a riqueza da experiência humana e contribui para uma condição que chamo de “transtorno de déficit da natureza”.

Criei esse termo como bordão para descrever o que muitos de nós acreditamos ser os custos humanos de viver alienado da natureza. Entre esses custos estão a redução do uso dos sentidos, dificuldades de atenção, taxas mais altas de doenças físicas e emocionais, uma taxa crescente de miopia, obesidade infantil e adulta, deficiência de vitamina D e outras doenças.

A ciência correlacionou experiências no mundo natural com melhorias em cada uma delas. Obviamente, o transtorno de déficit de natureza não é um diagnóstico médico, embora se possa pensar nele como uma condição da sociedade. Você sabe do que se trata assim que alguém menciona o assunto, e isso pode explicar a facilidade com a qual o termo foi traduzido e incorporado a tantos idiomas ao redor do mundo.

Hoje há muitas pesquisas, mais de mil estudos – um aumento significativo se comparado aos 60 que eu cito no livro A Última Criança na Natureza, lançado em 2005 – sobre essa desconexão e os benefícios da retomada do contato com a natureza para as funções cognitivas de crianças e adultos, para a saúde física e mental e para o bem estar social. Muitos deles estão disponíveis (em inglês) na biblioteca digital da minha organização, a Children and Nature.

Eu sugeri o termo “vitamina N”, de natureza, como um antídoto ao déficit de natureza, uma metáfora para a cura. (…) A consciência sobre isso cresceu muito, mas precisamos virar a chave para começar a agir rapidamente, pois estamos em um ponto crítico.

BBC News Brasil – Mas o que pode ser feito para reduzir o impacto da falta de contato com a natureza durante os períodos de confinamento e isolamento social?

Louv – No curto prazo, os esforços para mostrar a famílias, escolas e comunidades como se conectar com a natureza próxima são crescentes. Há muitas organizações internacionais e campanhas para que isso seja feito, mas cada um pode tentar coisas muito simples e muitos já estão fazendo: veja quantas pessoas trouxeram mais plantas para dentro de casa, quantas adotaram animais ou mesmo tentaram manter uma relação com os animais do entorno – pássaros, por exemplo, por algum momento? Nós estamos sedentos dessa relação com a natureza.

Em um artigo recente dou algumas dicas simples de como tentar fazer essa aproximação, ainda que durante o isolamento. Para quem tem quintal, sugiro ter um espaço com um pouco de terra para as crianças brincarem. Pesquisas sugerem que as crianças fortalecem seu sistema imunológico brincando na terra – e enfraquecem esses sistemas evitando-a. Trazer plantas para dentro de casa e se não for possível, trazer sementes e plantá-las pode ser uma alternativa. Ensine suas crianças sobre a natureza de alguma forma, nem que seja pela janela de casa, observando o céu, ou contando suas próprias aventuras com animais, nem que seja de estimação. Atice a curiosidade delas. Se puder, faça exercícios e caminhadas ao ar livre.

E especialmente para quem tem filhos pequenos: o tédio é subestimado. E às vezes, a esperança também. Quando a escola fecha devido ao mau tempo ou a um vírus, o tédio pode levar à criatividade. Especialmente durante o verão, os pais ouvem a reclamação lamentando: “Estou entediado.” O tédio é o primo enfadonho do medo. Passivo, cheio de desculpas, ele pode afastar as crianças da natureza – ou levá-las a ela. Muitos de nós nos lembramos de como as atividades cuidadosamente planejadas empalidecem em comparação com as experiências mais espontâneas, e que o tédio muitas vezes nos levou a criar nossas próprias histórias, que contamos até hoje. Compartilhar essas histórias é ainda mais importante em tempos difíceis.

“Muitos de nós sentimos que algo grande e promissor está se formando lá fora, um movimento que inclui, mas vai além do ambientalismo tradicional e da sustentabilidade – uma visão alternativa do futuro. E talvez a gente esteja percebendo isso bem a tempo”

Além disso, agora mais do que nunca, precisamos praticar o uso da esperança imaginativa para pensar seriamente sobre como criar uma civilização mais saudável, rica em natureza e mais justa nos anos que virão. Enfim, muitas dessas dicas são para que as pessoas, injustamente, tenham um pouco de acesso à natureza, o que acredito deveria ser considerado um direito humano.

BBC News Brasil – Muitos brasileiros decidiram deixar as grandes cidades para viver mais perto da natureza após o início da pandemia, em um “êxodo urbano” bastante inédito para nossa época. Você acha que isso pode continuar se ou quando a pandemia acabar? Você observa isso em outros países?

Louv – Muitos de nós agora temos a oportunidade de construir sobre o anseio, intensificado durante a pandemia, de uma maior conexão com nossos entes queridos e com o resto da natureza. Embora seja possível, até provável, que nossa espécie retorne à sua antiga abordagem da natureza, que é vê-la como um inimigo, também é possível que algo em nós – um anseio – tenha reacendido.

E essa redescoberta pode ser vista no crescente interesse em design urbano biofílico e arquitetura biofílica, que incorporam elementos naturais não apenas nos locais de trabalho, onde se observa uma melhora a produtividade dos funcionários e redução do tempo afastados por doenças – mas também em escolas e residências e, potencialmente, cidades inteiras.

Muitas das pessoas e empresas que repentinamente se acostumaram ao home office e ao trabalho remoto podem continuar com essa prática, reduzindo o consumo de combustível, ajudando as pessoas a se concentrarem novamente nos lugares onde vivem e na necessidade da natureza próxima.

Como aprendemos durante a pandemia, a natureza próxima é, pelo menos para muitos de nós, essencial para a saúde mental. Nos últimos anos, muitas pessoas – e também legisladores – ficaram presas em um transe distópico. Quando questionados sobre como será o futuro, as imagens que eles descrevem são frequentemente aquelas que se parecem muito com os filmes Blade Runner ou Mad Max, onde a natureza e o amor foram arrancados da paisagem.

A menos que a gente consiga reacender a esperança – e eu falo da esperança imaginativa, não esperança cega, então sim, Blade Runner será nosso futuro e o futuro de nossos netos. Mas a pandemia nos incitou a imaginar novas imagens de um futuro onde nossa conexão com a natureza e uns com os outros, como parte da natureza, começa a ressurgir.

BBC News Brasil – Ao mesmo tempo desse anseio de aproximação com a natureza que você comenta, observamos no Brasil muitos retrocessos em políticas públicas voltadas à proteção do meio ambiente. Na sua avaliação, por que a proteção à natureza ainda não é uma prioridade em muitos países?

Louv – Muitas pessoas não avaliam o tempo passado na natureza e com brincadeiras espontâneas como essenciais para o desenvolvimento infantil, psicológico ou físico. Isso se dá, em partes, porque a tecnologia agora domina quase todos os aspectos de nossas vidas.

No entanto, muitos de nós sentimos que algo grande e promissor está se formando lá fora, um movimento que inclui, mas vai além do ambientalismo tradicional e da sustentabilidade – uma visão alternativa do futuro. E talvez a gente esteja percebendo isso bem a tempo.

Não podemos minimizar o sucesso da conservação tradicional, mas pesquisas mostram que a preocupação ambiental, em muitas regiões, atingiu o ponto mais baixo desde antes do Dia da Terra de 1970. É como se quanto mais falamos sobre mudanças climáticas, menos as pessoas acreditam nisso. Por quê? Recessão econômica. Uma campanha de desinformação bem financiada.

Existem muitas razões, mas estou convencido de que uma das principais causas é o fracasso das autoridades e da mídia em descrever um futuro para o qual as pessoas desejarão seguir porque o que nos espera não é bonito. Para muitas pessoas, talvez a maioria, pensar no futuro evoca imagens de uma distopia pós-apocalíptica desconectada da natureza. Parecemos atraídos por essa chama e é uma fixação perigosa.

As barreiras entre as pessoas e a natureza continuam desafiadoras.

Mas estamos vendo algumas mudanças. Nos EUA, vemos progresso entre as legislaturas estaduais, escolas e empresas, organizações civis e agências governamentais. Os chamados “clubes de natureza familiar” (nos quais várias famílias comparecem para caminhadas conjuntas, por exemplo) estão se proliferando. As campanhas regionais estão trazendo pessoas de todas as divisões políticas, religiosas e econômicas, para conectar as crianças à natureza.

Por mais de uma década, venho pedindo que o acesso à natureza seja considerado um direito humano. Uma resolução da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) de 2012, indica que isso é cada vez mais visto como um problema internacional. (…) Precisamos de liderança em todos os níveis e em todos os países.

BBC News Brasil – Uma liderança indígena importante no Brasil, o escritor, filósofo e ambientalista Ailton Krenak, costuma dizer que “a resposta está natureza”. Você concorda?

Louv – A conexão humana com a natureza não é uma panaceia milagrosa para tudo o que nos aflige, mas acredito que, para muitos de nós, é fundamental para manter nossa humanidade. Precisamos da experiência da natureza como um antídoto para algumas das desvantagens do uso de tanta tecnologia, e precisamos nos conectar com a natureza para reviver o uso pleno não apenas dos nossos cinco sentidos, mas pelo menos dez deles, para ser conservador, ou até 30, de acordo com alguns cientistas.

Em última análise, trata-se de nossa capacidade de estar “plenamente vivos”. Enquanto nos concentramos por horas em nossas telas, nós e nossos filhos gastamos muito de nosso tempo e grande parte de nossa energia tentando bloquear a maioria desses sentidos para que possamos nos concentrar nas telas a alguns centímetros de nossos olhos. Para mim, essa é a própria definição de estar “menos vivo”.

O espírito humano é inseparável do mundo natural. Como escreveu o ecoteólogo Thomas Berry: “um habitat degradado produzirá humanos degradados”. O conceito de “inconsciente ecológico” surgiu na encruzilhada entre ciência, filosofia e teologia. Essa é a ideia de que toda a natureza está conectada de maneiras que não entendemos totalmente e, independentemente de nossa origem cultural ou étnica, compartilhamos essas conexões – mas fazemos isso de maneiras diferentes.

Depois que A Última Criança na Natureza foi publicado, fiquei surpreso que tantas figuras religiosas, à direita e à esquerda, apoiaram o livro. Cheguei à conclusão de que eles entendem intuitivamente que toda vida espiritual começa com um sentimento de admiração. A natureza é nossa janela compartilhada mais imediata para a maravilha. Esta não é apenas uma visão do passado, mas de uma nova era em potencial. Eu evito a frase “retorno à natureza”. Prefiro dizer: “avante à natureza”.

BBC News Brasil – Como o impacto do isolamento social, do distanciamento e do confinamento dentro de casa pode afetar as pessoas no longo prazo?

Louv – A cobertura de parte da mídia descreve o trauma emocional do isolamento social prolongado. Esse trauma pode realmente aumentar após os lockdowns e os confinamentos.

Três meses depois do tiroteio em massa contra as crianças da escola Sandy Hook em Connecticut (nos EUA em 2012), fui convidado pela prefeitura da cidade de Newton para uma palestra. Segundo as autoridades, o motivo foi o entendimento de que a conexão com a natureza pode ser terapêutica e que, para os sobreviventes, o trauma pós-evento se intensifica cerca de três meses após o ocorrido.

Hoje, a conexão com a natureza pode ser uma forma de curar o trauma psicológico da pandemia em algumas regiões. Parte da cura será imaginar um futuro para o qual queremos ir, no qual múltiplas soluções sejam aplicadas ao isolamento humano, à emergência climática e ao colapso da biodiversidade. E essas soluções devem descrever um futuro não apenas para a saúde e sobrevivência humanas, mas para a saúde das crianças de todas as espécies.

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