O bilionário Elon Musk tem exaltado o Twitter como um bastião da liberdade de expressão desde que adquiriu a plataforma de rede social há dois anos. Mas, ao longo de 2024, o X, como agora é chamado, evoluiu do que parecia ser uma praça pública comunitária para um centro polarizado em que as opiniões e publicações parecem ainda mais controversas.
Certos perfis que compartilhavam informações enganosas sobre política e notícias — alguns dos quais foram acusados de incitar ódio — ganharam destaque recentemente.
Tudo isso é importante porque o X pode não ter tantos usuários quanto outras plataformas de rede social, mas parece ter um impacto significativo nas discussões políticas.
Além de ser um site em que alguns políticos importantes, governos e forças policiais compartilham declarações e pontos de vista, agora seu proprietário, Elon Musk, se alinhou diretamente com Donald Trump, um relacionamento que pode redefinir a forma como os donos de outras redes sociais lidam com o próximo presidente dos EUA.
Mas, afinal, o que está por trás desta nova onda de mudanças? Houve uma alteração no perfil demográfico das pessoas que usam o X no último ano — ou isso pode ser resultado de decisões deliberadas tomadas pelos que estão no comando da plataforma?
Ascensão da ‘mídia’ do Twitter
Há dois meses, o Inevitable West não existia no X. Agora, o perfil, que se autodenomina “defensor dos valores e da cultura ocidentais”, conta com 131.600 seguidores (número que está crescendo rapidamente). Ele está obtendo cerca de 30 milhões de visualizações por dia entre todas as suas postagens, de acordo com seu criador. Musk até respondeu às postagens do Inevitable West no X.
Suas publicações recentes, que geralmente apresentam legendas no estilo de alertas de notícias, incluem um vídeo falso que mostra Trump dizendo ao primeiro-ministro britânico que vai “invadir seu país, e tornar a Grã-Bretanha grande novamente”.
Também foram publicadas várias postagens em apoio ao ativista de direita radical Tommy Robinson, assim como algumas alegações desmentidas sobre os protestos dos agricultores no Reino Unido e um ataque a faca em Southport, no qual três crianças foram mortas durante uma oficina de dança inspirada nas músicas de Taylor Swift.
O Inevitable West nega as acusações de promover desinformação e incitar abuso ou violência. “O objetivo da minha conta no X é ser a voz da maioria silenciosa do mundo ocidental”, me contou seu criador. Ele se recusou a compartilhar sua identidade comigo quando nos correspondemos, mas afirma ser da “geração Z” e diz que “não é russo”.
“Informações e opiniões sem censura vão levar inevitavelmente os EUA e todo o Ocidente e a Europa a se moverem mais para a direita, o que é comprovado pela eleição de Donald Trump e pela ascensão da direita radical na Europa”, ele argumentou.
“Globalmente, isso significaria que políticos e líderes corruptos seriam descobertos.”
Ele parece ver a ascensão da sua conta como a “morte” daquilo que chamariam de “MSM” (abreviação em inglês para mainstream media), a mídia tradicional. Isso talvez não seja nenhuma surpresa, já que, após as eleições nos EUA, o próprio Musk disse aos usuários do X: “Vocês são a mídia agora”.
Do tique azul às curtidas: mudanças no X
Quando Musk adquiriu o Twitter, enfatizou a necessidade de abrigar todas as opiniões políticas e de se opor à censura por parte das empresas de rede social e dos governos.
As mudanças — incluindo demissões em massa e alterações nas políticas de moderação em relação a questões como desinformação política — começaram imediatamente.
Também houve várias alterações na natureza dos feeds, incluindo a criação de duas timelines separadas: “Seguindo”, que apresenta as contas que você segue, e “Para você”, que é selecionada por algoritmos, como no TikTok.
No entanto, ao longo de 2024, houve outra onda de mudanças que parecem ter transformado ainda mais a plataforma. A função de bloqueio foi alterada, o que significa que, se você bloquear uma conta, não estará protegido de que aquele perfil veja o que você posta. As curtidas, por sua vez, se tornaram privadas.
O site ainda apresenta o recurso de notas da comunidade, uma forma colaborativa de verificar ou refutar o que as postagens dizem, e os usuários podem pagar pelo tique azul, que antes era fornecido gratuitamente como um sinal de autenticação de que a pessoa era quem dizia ser.
Agora, porém, é necessário pagar pela assinatura do X Premium para receber uma marca de verificação. Há três níveis diferentes de assinatura disponíveis.
Os perfis Premium têm direito a mais privilégios e destaque — e podem ganhar dinheiro com o engajamento que recebem de outros perfis com marca de verificação. A partir de outubro, o X alterou suas regras de modo que, em vez de basear a receita de contas individuais em anúncios, ele agora leva em conta curtidas, compartilhamentos e comentários de outras contas Premium.
É claro que outros sites de rede social permitem que os usuários ganhem dinheiro com publicações e compartilhem conteúdo patrocinado — o que não é incomum —, mas a maioria das principais plataformas tem regras que permitem a elas desmonetizar ou suspender perfis que publicam desinformação.
O X não possui regras para desmonetizar contas por conta de postagens deste tipo, embora permita que os usuários adicionem notas da comunidade a tuítes enganosos ou falsos. E não permite “mídia enganosa”, como vídeos manipulados ou gerados de forma sintética que “podem resultar em confusão generalizada sobre questões públicas, afetar a segurança pública ou causar danos graves”.
De acordo com o Inevitable West, o X agora pode se tornar um emprego. Ele me disse que, quando estava postando cerca de sete vezes por dia, era capaz de ganhar pelo menos “US$ 2,5 mil por mês”.
Ele contou que conhece outra conta que ganha “US$ 25 mil” por mês — esta conta supostamente tem 500 mil seguidores e publica “aproximadamente 30” vezes por dia.
O algoritmo mudou?
Às vezes, a mudança pode ocorrer quando um site altera os algoritmos (ou sistemas de recomendação) de alguma forma, por exemplo, para impulsionar e beneficiar determinadas postagens. O que não está claro é se este pode ou não ser o caso aqui.
Sem dúvida, observei uma diferença na variedade de postagens recomendadas no feed “Para você”, em comparação com o ano anterior.
Isso é algo que analisei por meio do projeto “Undercover Voter”, no qual criei e administrei contas de rede social pertencentes a mais de 20 personagens fictícios, baseados nos EUA e no Reino Unido, que refletem pontos de vista de todo o espectro político.
Estes personagens têm perfis nos principais sites, incluindo o X, o que me permitiu analisar as diferentes contas que eram recomendadas nas redes sociais. As contas são privadas e não enviam mensagens para pessoas reais nem têm amigos.
Independentemente das diferentes visões políticas que as contas manifestam, observei que, nos últimos seis meses deste ano, seus feeds passaram a ser dominados por postagens que geram divisão e tendem a apresentar mais apoio a Trump ou oposição a políticos e pessoas no mundo todo que não são vistos como alinhados com o presidente eleito dos EUA.
No entanto, tudo isso parece ser consequência do ambiente e das diversas alterações no site como um todo, e não apenas um simples ajuste no algoritmo.
Andrew Kaung, que foi analista de segurança do usuário no TikTok e também trabalhou na Meta, passou anos observando como esses sistemas de recomendação podem ser atualizados e alterados. “O que vimos no X não se trata apenas da mudança no algoritmo, mas também da falta de mecanismos de segurança em nome da liberdade de expressão”, diz ele.
Nina Jankowicz foi diretora executiva do Conselho de Governança da Desinformação dos EUA, criado em 2022 para aconselhar o Departamento de Segurança Interna em questões como a desinformação russa e, mais tarde, dissolvido diante das críticas e temores em relação à liberdade de expressão e transparência.
Ela argumenta que os algoritmos do X agora “privilegiam a retórica controversa e enganosa”, e sugere que os usuários que publicam conteúdo menos polêmico tiveram uma redução nas visualizações.
“A consequência é que a plataforma que se apresenta como uma praça pública é um ambiente extraordinariamente artificial, um verdadeiro black mirror das partes mais preocupantes da natureza humana.”
Os influenciadores inesperados
Enviei mensagens para dezenas de outras contas grandes, que falaram sobre a influência cada vez maior que são capazes de ter na plataforma, muitas vezes de forma inesperada.
“Nunca tive a intenção de me tornar um influenciador”, admite um perfil chamado Andi, que diz ser baseado em Nova York. “Mas achei que, como tenho esta plataforma, deveria tentar usá-la para promover minhas próprias causas.”
Ele conta como compartilhou um meme de esquilo — após saber que um esquilo foi sacrificado por causa do risco de transmitir raiva — que agora tem 45 milhões de visualizações. E compara seu alcance com o do popular podcaster Joe Rogan, que tem 14,5 milhões de seguidores no X.
“Mas eu não sou nenhum Joe Rogan, então é realmente especial que algo que eu poste possa ter quase a mesma audiência.”
Andi e outras contas do X com quem me correspondi acreditam que as mudanças no X são boas, uma vez que agora elas têm um alcance que jamais poderiam ter imaginado.
Alegações de viés de moderação
No início deste mês, um ataque a uma feira de Natal na Alemanha, que matou cinco pessoas e feriu mais de 200, foi amplamente debatido no X. Grande parte da discussão girava em torno do suspeito, um residente alemão que nasceu na Arábia Saudita.
Os promotores alemães disseram que a investigação está em andamento, mas sugeriram que um possível motivo para o ataque “pode ter sido a insatisfação com a forma como os refugiados da Arábia Saudita são tratados na Alemanha”.
O perfil Inevitable West estava entre os que comentaram: “Invadam as mesquitas. Proíbam o Alcorão. Realizem deportações em massa. Nossa paciência oficialmente acabou”.
A conta foi acusada de incitar o ódio com postagens sobre questões como imigração e religião. Outros usuários disseram que isso poderia incitar a violência. Mas o perfil respondeu dizendo que estava “incitando a segurança, na verdade”.
Quando questionado sobre isso, o Inevitable West me disse que diria o mesmo sobre outras religiões. Separadamente, também afirmou que nunca excluiria suas próprias publicações, mesmo quando elas se revelassem falsas.
Enquanto isso, seu conteúdo está sendo visto por feeds em todo o mundo.
Há muito tempo, o Twitter tem sido acusado de viés nos métodos de moderação, tanto antes quanto depois que Musk adquiriu a empresa, além de alvo de questionamentos sobre se a plataforma limitava anteriormente a liberdade de expressão.
Conversei com pessoas de dentro do Twitter sobre isso para uma investigação do programa Panorama, da BBC, que foi ao ar em 2023, e eles me disseram que, na opinião deles, a empresa teria dificuldades para proteger os usuários contra trollagem, desinformação coordenada pelo Estado e exploração sexual infantil, devido, entre outras coisas, às demissões em massa.
Na ocasião, o X não respondeu às questões levantadas. Posteriormente, Musk tuitou um artigo da BBC sobre o episódio do Panorama com a legenda: “Desculpem-me por ter transformado o Twitter de um paraíso acolhedor em um lugar que tem… trolls”. Ele também declarou que “os trolls são divertidos”.
Separadamente, Musk havia dito que “não tinha escolha” a não ser reduzir a força de trabalho da empresa devido a perdas financeiras.
Lisa Jennings Young, ex-chefe de design de conteúdo do X, que trabalhou lá até 2022, afirma: “Sinto que estamos vivendo um grande experimento social [sobre a humanidade]”.
Não tem um objetivo específico, segundo ela. “Não é um experimento de ciências sociais controlado, [mas um] do qual todos nós fazemos parte”. Ninguém sabe realmente qual pode ser o resultado final, ela argumenta.
Alguns usuários do X me disseram que recentemente decidiram migrar para outras plataformas de rede social, incluindo o Bluesky, que começou em 2019 como um site experimental de mídia social “descentralizado”, criado pelo ex-chefe do Twitter, Jack Dorsey. Atualmente, tem mais de 20 milhões de usuários.
É difícil determinar exatamente quantos usuários reais optaram por deixar o X — ou até mesmo se cresceu.
Elon Musk e o X não responderam às questões levantadas nesta reportagem, nem aos pedidos de entrevista.
O X diz que sua prioridade é proteger e defender a voz do usuário e tem diretrizes sobre ódio, que afirmam que os usuários “não podem atacar outras pessoas com abuso ou assédio ou incentivar outras pessoas a fazer isso”.
Um porta-voz do X disse anteriormente à BBC: “O X possui uma série de políticas e recursos para proteger o debate em torno das eleições. Rotularemos o conteúdo que violar nossa política de mídia manipulada e gerada de forma sintética e removeremos contas envolvidas na manipulação da plataforma ou em outras violações graves de nossas regras”.
O site também informou à Comissão Europeia em novembro: “[O X] se esforça para ser a praça pública da internet, promovendo e protegendo a liberdade de expressão”.
Rede social e influência política
Desde a eleição presidencial de 2024 nos Estados Unidos, o X consolidou sua posição como fonte de atualizações políticas sobre o novo governo Trump.
Musk apoiou Trump como candidato em julho. Agora, ele foi convidado a ocupar um cargo no governo, liderando uma nova equipe de consultoria chamada Departamento de Eficiência Governamental (Doge, na sigla em inglês).
Sam Freeman, ex-funcionário do Meta que agora trabalha como especialista em confiança e segurança para uma empresa chamada Cinder, acredita que isso também vai ter um efeito mais amplo sobre outros donos de plataformas de rede social.
Ele prevê que eles vão “precisar ter um relacionamento mais pessoal com o novo governo”, principalmente se sentirem uma pressão maior sobre a regulamentação e a segurança online.
Mark Zuckerberg, que fundou o Facebook (agora Meta) e desde então adquiriu o Instagram, jantou recentemente com Trump em sua residência em Mar-a-Lago.
O presidente eleito já havia atacado Zuckerberg em ocasiões anteriores, acusando sua plataforma, assim como outras, de parcialidade. “O Facebook, o Google e o Twitter, sem mencionar a mídia corrupta, estão muitíssimo do lado dos democratas de esquerda radical”, escreveu Trump certa vez.
Será que o jantar poderia indicar um apaziguamento na relação deles? Certamente, sugere que Zuckerberg considera que se aproximar pelo menos um pouco de Trump pode ser do seu interesse.
O mesmo parece acontecer com o CEO do TikTok, Shou Zi Chew, que também teria se encontrado com Trump em Mar-a-Lago, enquanto a empresa de rede social luta contra os planos das autoridades dos EUA de proibir o aplicativo.
O governo americano alega que a empresa controladora do TikTok, a ByteDance, tem vínculos com o Estado chinês. Tanto o TikTok quanto a ByteDance negam. A Suprema Corte deve ouvir os argumentos legais do TikTok em janeiro.
No Reino Unido, entrará em vigor, em breve, a Lei de Segurança Online, segundo a qual as empresas vão ter que assumir compromissos com o órgão regulador, a Ofcom, sobre como combater conteúdo ilegal e publicações prejudiciais às crianças.
Na Austrália, os políticos foram além e aprovaram planos para proibir o uso das redes sociais por menores de 16 anos.
Mas, em última análise, considerando que muitas das principais plataformas de rede social estão baseadas nos EUA, é a abordagem do governo e do presidente americanos que pode ter o maior impacto.
A questão que permanece é qual é realmente a visão de Trump sobre isso — e se ele vai exigir que estas plataformas assumam responsabilidades de uma maneira diferente no futuro, ou não.
Os desdobramentos, seja qual for a direção que ele tomar, sem dúvida vão ser de longo alcance.
Fonte: BBC