Enquanto o Brasil não se dá conta do potencial turístico (e científico) de seus endereços subterrâneos, a gente segue escondendo cavernas.
De acordo com o Cadastro Nacional de Cavernas do Brasil, o país tem hoje mais de 8.100 cavernas registradas, mas “nem 0,1% delas está aberta ao turismo”, lembra Luciano Emerich Faria, professor de química do Centro Universitário Newton Paiva, em Minas Gerais.
E o que tem por aqui, de longe, lembra a infraestrutura turística em locais como as impressionantes Lascaux, na França, e Postojna, a atração mais visitada da Eslovênia.
O pesquisador Faria, juntamente com uma equipe de espeleólogos, geógrafos e químicos acaba de apontar a luz do capacete para mais uma descoberta cavernícola em terras brasileiras: a Lapa de Quatro Bocas.
Perdida na região central de Minas Gerais, há mais de 100 anos, essa formação no município de Curvelo foi reencontrada pelo grupo, a partir de relatos e mapas deixados pelo dinamarquês Peter Lund, que esteve na região a partir de 1835.
“Muitas cavernas ficaram perdidas ao longo da história, sobretudo por conta da mudança de nomes de propriedades, de rios e até distritos, dificultando sua localização e os trabalhos de especialistas”, explica Faria, em entrevista por telefone para a reportagem.
A caverna – Registrada atualmente como Gruta do Tatu, a Lapa das Quatro Bocas descoberta por Lund há quase dois séculos já tem um desenvolvimento de mais de um quilômetro.
Ainda sem uma idade estimada, o local é alimentado por um sistema de água de chuvas que vem de uma mata sobre a caverna, escorrendo para seu interior e dividindo-a em dois setores. “É como uma casa de dois andares, um piso inferior e outro superior”, descreve Faria.
De acordo com os especialistas envolvidos na descoberta recente de Curvelo, a dimensão daquela formação é bastante ampla, onde seria possível entrar com um ônibus de dois andares. A caverna abriga espeleotemas como estalactites, estalagmites e cortinas.
Mas uma das descobertas mais intrigantes da gruta é a colônia de mais de dez mil morcegos, responsáveis por guanos (acúmulo de fezes do animal) que passam de um metro de altura.
“Tem também vestígios arqueológicos, como cacos de cerâmica, que comprovam que houve algum tipo de ocupação humana no período da colonização europeia na região, há 300 ou 400 anos, aproximadamente. Além disso, foram encontrados pequenos ossos de uma fauna que, provavelmente, também ocupou a caverna”, descreve Faria.
Mas o espeleólogo alerta que o trabalho está apenas no começo.
E não poderia haver melhor ano para a descoberta.
2021 não só marca os 220 anos de nascimento de Peter Lund, mas foi declarado também como o Ano internacional das Cavernas, uma iniciativa da UIS (União Internacional de Espeleologia) para conscientização da importância de preservar esses ecossistemas ainda pouco conhecidos.
Recentemente, Curvelo foi destaque na mídia nacional com a notícia de uma mulher de 76 anos encontrada em uma grota, após dez dias desaparecida.
Caverna em Minas Gerais
“É melhor um turismo com pequenos impactos do que perder essas cavernas”.
O alerta vem um dos (re)descobridores da antiga Lapa das Quatro Bocas, para quem as perdas costumam ser por conta da ação de mineradoras, passagens de estradas e linhas elétricas, ou construção de estradas e barragens.
Mas o pesquisador lembra também que, ao revelar esse patrimônio espeleológico, “é preciso estabelecer um convívio sustentável que insira a comunidade do entorno, em um turismo tocado por locais”, assim como acontece em destinos como o PETAR (Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira), entre os municípios paulistas de Apiaí e Iporanga.
Um dos lugares mais cobiçados do Brasil para fãs e estudiosos de cavernas é o Parque Estadual de Terra Ronca, em Goiás, uma região de mais de 600 milhões de anos e cerca de 300 cavernas, dos quais menos de 20 estão abertas para visita pública.
Em uma área de 57 mil hectares, aproximadamente, o PETeR (Parque Estadual de Terra Ronca) é uma das maiores concentrações de cavernas, entre secas e molhadas, da América Latina. Para se ter uma ideia, a caverna que dá nome à região de Terra Ronca tem uma entrada com uma boca de 96 metros de altura e 120 de largura, uma das maiores do Brasil.
Outro endereço que fascina, mas dessa vez só para os mais corajosos, é o Abismo Anhumas, a versão mais radical de Bonito, no Mato Grosso do Sul.
A caverna tem uma (vertiginosa) entrada vertical, com acesso exclusivo por um rapel negativo de 72 metros de altura até uma plataforma flutuante sobre o lago interior. O Buraco, como o atrativo é conhecido, é uma das maiores cavernas submersas do país.
Como se já não fosse suficiente vencer aquela descida equivalente a um edifício de 26 andares, lá embaixo ainda é possível fazer mergulho em um lago de 80 metros de profundidade, em meio a cones calcários de até 20 metros de altura.