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No século 17, indígenas brasileiros exigiram terra e governo próprio

Por Redação

Em 4 de agosto de 2025

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Antiga ilustração representando indígenas brasileiros / Crédito: Domínio Público

Em um marco histórico de março de 1645, um conjunto de 134 indígenas potiguaras se reuniu em Tapesserica, na capitania de Itamaracá, no atual Nordeste do Brasil. Essa assembleia marcou o que é considerado o primeiro registro formal de uma reunião indígena no país, onde líderes foram escolhidos para representar os interesses da comunidade nas negociações com a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais.

Embora esse evento seja frequentemente mencionado como um detalhe secundário nas narrativas sobre as guerras luso-holandesas no Brasil, uma nova tradução de um documento desse encontro traz à tona a importância dessa assembleia. Publicado na renomada revista Transactions of the Royal Historical Society, da Universidade de Cambridge, o estudo revela uma carta escrita pelos potiguaras ao governo holandês, destacando suas reivindicações durante a ocupação europeia, que se estendeu de 1630 a 1654.

A carta original não foi localizada, mas uma versão em neerlandês antigo sobreviveu nos registros oficiais do governo holandês datada de 11 de abril de 1645. A tradução recente proporciona uma visão mais clara sobre a perspectiva indígena em relação às tensões entre holandeses e portugueses, além de reafirmar o papel ativo dos potiguaras como agentes históricos.

Segundo o estudo do professor Bruno Miranda, do Departamento de História da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), os potiguaras desempenharam um papel crucial na formação do sistema de governança dos europeus na época. Eles mantiveram uma estrutura descentralizada de poder e foram capazes de escolher seus próprios representantes.

“Essa reunião demonstra a capacidade dos potiguaras de negociar com seus aliados e de se adaptar, transformar e sobreviver em tempos de guerra e devastação”, afirma Miranda. O reconhecimento da autoria indígena da carta se fundamenta no uso da primeira pessoa do plural e expressões como “nossa nação” e “nós solicitamos”, indicando um discurso coletivo.

A tradução anterior realizada por Pedro Souto Maior em 1913 não atribuiu corretamente a autoria aos indígenas, omitiu detalhes essenciais que poderiam esclarecer sua agência política. Miranda argumenta que esta nova versão é vital para entender o impacto dos potiguaras na política colonial.

A assembleia ocorreu em resposta ao desejo dos potiguaras por autogoverno e melhores condições sociais, além da crescente insatisfação com as políticas dos holandeses. Os indígenas se opunham à imposição religiosa do calvinismo e à supervisão dos aldeamentos por diretores europeus, que frequentemente resultava em exploração e abuso.

Em novembro de 1644, os holandeses entregaram aos potiguaras uma carta afirmando seus direitos à liberdade e autogoverno. Após a assembleia, os indígenas cobraram esses direitos e exigiram medidas concretas como a libertação dos povos escravizados e a criação de câmaras municipais para fomentar sua autonomia política.

Luta contemporânea

As assembleias históricas, como a realizada pelos potiguaras, continuam sendo essenciais para a luta indígena contemporânea no Brasil. Elas ainda servem como plataformas para decisões coletivas e mobilizações políticas relevantes, tanto em nível local quanto nacional. O Acampamento Terra Livre (ATL), por exemplo, representa um espaço significativo onde líderes indígenas se reúnem anualmente para discutir questões cruciais para suas comunidades.

Kleber Karipuna, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), destaca que essas assembleias são fundamentais para consolidar estratégias coletivas e tomar decisões sobre políticas indigenistas. Nos últimos anos, novas iniciativas têm surgido, incluindo assembleias voltadas para a juventude e mulheres indígenas.

A produção escrita pelos potiguaras naquele período revela que muitos deles estavam alfabetizados e usavam essa habilidade para dialogar com as autoridades europeias. Hoje, cartas continuam sendo um meio importante para comunicar as deliberações das assembleias indígenas às autoridades governamentais.

A construção histórica dessas cartas reflete um esforço contínuo dos povos indígenas para afirmar sua identidade e reivindicar seus direitos. Conforme ressalta Rafael Xucuru-Kariri, professor visitante na Universidade Federal da Bahia (UFBA), essa documentação é essencial para entender a participação indígena nas principais questões políticas do Brasil ao longo do tempo.

Nos últimos 15 anos, pesquisadores têm trabalhado para compilar cartas escritas por indígenas em diferentes períodos históricos. Essa iniciativa visa resgatar narrativas frequentemente negligenciadas que mostram as tentativas dos povos indígenas de estabelecer um diálogo com o Estado brasileiro sobre suas necessidades e direitos.

A relevância das assembleias é evidente nas conquistas recentes dos povos indígenas no Brasil. O reconhecimento da cidadania plena na Constituição de 1988 e a criação de políticas públicas específicas são frutos desses espaços coletivos de debate. Karipuna observa que as assembleias também permitem avaliar contextos políticos e traçar estratégias diante dos desafios enfrentados pelos povos indígenas atualmente.

Para as eleições futuras, já há mobilizações visando aumentar a representação indígena nas esferas institucionais. Karipuna conclui enfatizando a necessidade contínua de luta pela proteção e garantia dos direitos indígenas no Brasil.

Éric Moreira/Aventuras na História

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