Durante o período de caça às bruxas, nos séculos 16 e 17, cerca de 750 pessoas foram acusadas de bruxaria na Noruega, das quais aproximadamente 300 foram sentenciadas à morte. Sabe-se que a maioria delas foi queimada na fogueira e pertencia ao povo Sámi, mas poucas pesquisas investigam como esses casos chegaram ao fim.
Os Sámi são uma população indígena que habita países escandinavos e era julgada devido a suas práticas religiosas. Anne-Sofie Schjøtner Skaar, historiadora da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia (NTNU), pesquisa como a acusação de bruxaria foi abolida de forma gradual e investiga se os Sámi do sul ainda eram acusados no século 18.
Para a pesquisa, Schjøtner Skaar tem investigado relatos de missionários e registros de tribunal do condado de Nord-Trøndelag. Escritos em caligrafia gótica e por diferentes secretários, são documentos que requerem tempo para ser analisados. “Aprendi a escrita gótica na Universidade de Oslo quando escrevi minha tese de mestrado sobre bruxaria em Mora e Rendalen no século 17. Agora consigo ler a escrita gótica muito bem, mas leva tempo para examinar todos os documentos”, conta ela, em comunicado.
Durante os julgamentos de “bruxas” nos séculos 16 e 17, o uso de tortura para forçar confissões era ilegal, e criminosos condenados não podiam ser testemunhas. “No entanto, não era incomum fazer vista grossa para a lei em casos de bruxaria; a tortura era usada e as ‘bruxas’ condenadas eram forçadas a dar o nome de seus cúmplices”, relata Schjøtner Skaar. “A letra da lei era interpretada e praticada de forma muito diferente, e isso levou a muitos julgamentos de bruxas durante o período.”
Já no final do século 17, legisladores começaram a seguir a lei e a ser mais rigorosos, exigindo provas adequadas e não aceitando práticas de tortura, o que tornou mais difícil apresentar casos de bruxaria ao tribunal. “Como um crime imaginário pode ser provado se não é mais aceitável forçar alguém a confessar?”, questiona a historiadora.
Conversão ao Cristianismo
Quando as acusações desapareceram, missionários passaram a fazer o papel de legisladores e a substituir o sistema judiciário. O trabalho missionário teve início com o estabelecimento do College of Missions em Copenhaguen, em 1714, apesar das tentativas de cristianizar os Sámi em grande parte da região nórdica desde o início da Idade Média.
“Encontramos descrições de pessoas Sámi envolvidas com a ‘feitiçaria do demônio’. Os relatos dos missionários mostram que a religião Sámi ainda era interpretada por alguns como bruxaria e obra do demônio, embora o sistema judiciário não parecesse mais interessado em processar isso”, detalha a historiadora.
Thomas von Westen (1643-1727) foi um importante missionário para as práticas de educação de missionários Sámi. Ele recebeu o apelido de Apóstolo Sámi e, em 1716, foi nomeado para liderar e organizar a missão.
Westen preocupava-se que a educação cristã para os Sámi deveria ser feita em seu próprio idoma (o Sámi) e que a conversão deveria ser pessoal; ao conversar com os Sámi junto a outros missionários, percebeu que nem todos estavam abertos a falar de suas crenças e práticas religiosas.
“Isso acabou levando von Westen a introduzir uma anistia para os Sámi, de modo que eles não pudessem ser acusados de acordo com a lei de bruxaria, independentemente do que dissessem aos missionários. Isso foi feito como uma espécie de seguro para o povo Sámi, para que eles ousassem falar mais abertamente com os missionários”, diz Schjøtner Skaar.
Apesar disso, a cultura não deixou de ser demonizada, e alguns dos métodos brutais usados por von Westen e outros missionários envolviam confiscar tambores cerimonias e destruir locais sagrados. A maioria dos tambores foram enviados para Copenhaguen, na Dinamarca, e muitos foram destruídos em um incêndio em 1728. Contudo, outros tambores confiscados acabaram em museus ou com colecionadores particulares.
Ainda, von Westen ordenou, em 1723, que os noruegueses parassem de vender bebidas alcoólicas por acreditar que o consumo impedia a conversão dos Sámi ao Cristianismo. O missionário também pediu que os costumes “pagãos” de sepultamento fossem banidos, que noruegueses com crianças Sámi que serviam em suas casas deveriam garantir que elas recebessem uma educação cristã e que nenhum Sámi ficasse sem trabalho.
Um dos casos mais emblemáticos estudados por Schjøtner Skaar é o de Margareta Mortensdatter Trefot, que foi acusada de envolvimento com bruxaria maligna. “Como parte do projeto de pesquisa, também estou interessada nas atitudes em relação à religião dos Sámi do sul, que os noruegueses frequentemente rotulam de bruxaria e idolatria”, revela a pesquisadora.
O caso de Trefot foi ouvido pela primeira vez em uma assembleia local em Verdalen e é mencionado nos registros do tribunal entre 1711 e 1712. Ela era uma mulher pedinte que, segundo testemunhas, desejava o mal a pessoas e lançava feitiço sobre elas caso não lhe dessem dinheiro, comida ou acomodação.
“Margareta então acompanhou o juiz distrital local e o oficial de justiça em suas visitas ao tribunal e foi apresentada em vários tribunais distritais, onde muitas pessoas testemunharam que ela lhes desejava mal”, afirma a historiadora. Schjøtner Skaar, no entanto, ainda não sabe como o caso de Trefot terminou, porque não encontrou mais informações sobre o veredito nas fontes estudadas.
Fonte: Galileu Galileu