A chamada “cultura da cerâmica cordada” existiu na Escandinávia durante o período Neolítico entre os anos 3.500 e 2.300 a.C. Essa sociedade de caçadores-coletores pescava, viajava e negociava se locomovendo por grandes distâncias sobre a água. No entanto, a ausência de registros arqueológicos dos seus barcos dificulta o entendimento dessas práticas na região. Cientistas já tem uma ideia do porquê esses registros não existem: as embarcações que essa cultura usava eram feitas com peles de animais.
Quem defende a hipótese é uma equipe de pesquisadores das Universidades de Lund e Gotemburgo, na Suécia. Embasada em evidências indiretas, a teoria explicaria a dificuldade de se encontrar os restos desses navios, uma vez que os tecidos animais são rapidamente decompostos.
O grupo defende a tese em um artigo publicado em agosto na revista Journal of Maritime Archaeology. Nele, também são descritas as implicações do possível uso desses barcos pelos povos neolíticos para a compreensão moderna das primeiras sociedades marítimas escandinavas.
Viagens de longa distância
A descoberta de instrumentos de argila e pedras pelas costas do Mar Báltico e dos estreitos de Kattegat e Skagerrak evidenciam a presença dos povos de cultura de cerâmica cordada (ou perfurada) nessas regiões. Para chegar a esses lugares, a única explicação possível seria por meio de barcos.
Por todo o mundo, há registros de culturas neolíticas usando canoas para se transportar pela água. Alguns barcos de madeira, inclusive, chegaram a ser recuperados de sítios PWC. No entanto, o tamanho dessas embarcações não era proporcional ao tipo de atividade comercial realizada por essa população.
Enquanto as canoas encontradas serviriam para atividades de pesca em lagos ou pântanos interiores, elas jamais seriam úteis para longas navegações. Para entrar em mar aberto e atravessar os seus estreitos, seriam necessários navios muito maiores e resistentes.
“Comparados aos barcos de madeira, os de pele seriam melhores para transporte de longa distância”, aponta Mikael Fauvelle, que assina o estudo, em comunicado. “O uso de uma tecnologia marítima do tipo também explicaria as aceleradas tendências de ataques e comércio que vemos nesses povos”.
Na Alemanha e na Suécia já foram recuperadas armações de barcos nas quais peles poderiam ter sido costuradas. Enquanto os exemplares alemães datam do final do Mesolítico (séculos 7 a 6 a.C.), os suecos pertencem precisamente ao Neolítico.
A existência dessas estruturas indica que o conhecimento e a prática de fazer barcos de pele existiam no norte da Europa. Elas, assim, poderiam ter sido utilizados pelo povo da cerâmica cordada, mesmo que as amostras de tecidos animais em si não possam ser encontradas, por conta da decomposição natural do material.
Arte rupestre
Imagens de arte rupestre no norte da Escandinávia também abrem margem para a possibilidade. Em muitos painéis, os desenhos dos barcos utilizados para a pesca compartilham semelhança com os barcos de pele Umiak usados pelos Inuit, população indígena esquimó que habita nas regiões árticas da América.
Curiosamente, os indivíduos retratados em pé nas artes foram desenhados como se a metade inferior do corpo ainda estivesse visível. Isso lembra também a forma como os Umiak iluminados por trás se tornam semitranslúcidos e, portanto, os contornos dos indivíduos dentro deles podem ser observados.
Alguns barcos são retratados com arcos semelhantes a cabeças de animais. Eles são semelhantes aos apoios de arpão bifurcados com os quais os Umiaks às vezes eram equipados. Quando vistos de perfil, esses instrumentos pareciam cabeças de animais.
Conjuntos faunísticos
Por fim, evidências indiretas do uso e da fabricação de barcos de pele podem vir de locais ocupados por esses povos antigos. Os conjuntos faunísticos dessas regiões são dominados por focas e peixes – em especial, o bacalhau.
As focas geralmente se congregam em pequenas ilhas, gelo flutuante e recifes costeiros. Mais uma vez, para alcançá-las, os caçadores precisariam de barcos capazes de navegar em águas abertas. Da mesma forma, o bacalhau é um peixe encontrado em profundidades de 150 a 200 metros. Portanto, sua pesca teria exigido barcos capazes de ir com segurança até as águas mais longe da costa.
Raspadores, usados na fabricação de peles, são uma das ferramentas mais abundantes em ocupações da cultura da cerâmica cordada. Além disso, furadores, grandes demais para a produção de roupas, também foram recuperados desses locais. Esses fatores podem ser reflexos da técnica de costura de barcos de pele.
Essa produção também exigiria grandes quantidades de óleo de foca, um ingrediente essencial na impermeabilização de barcos de pele. Esse material foi encontrado em grande abundância nos acampamentos da cultura da cerâmica cordada — em um número muito maior do que seria necessário apenas para consumo pessoal.
Fonte: Galileu/ML