A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de elevar a taxa básica de juros (Selic) de 9,25% para 10,75% ao ano tem impactos na rentabilidade das aplicações financeiras e melhora o retorno de investimentos de renda fixa, como títulos do Tesouro Direto, CDBs (Certificado de Depósito Bancário) e LCI (Letras de Crédito Imobiliário).
Neste cenário, pessoas que têm imóveis financiados podem ter mais vantagem se aplicarem seu dinheiro nestas modalidades do que se decidirem amortizar a dívida (ou seja, pagar parte dela, além das parcelas mensais).
Esta não é uma regra que vale para todo mundo e a escolha precisa levar alguns fatores em conta:
- Custo efetivo total do financiamento
- Oferecimento de desconto por quitação de dívida por parte da instituição financeira
- Taxas de rendimento dos investimentos
- Perfil de risco
- Estado da reserva financeira
Para uma avaliação correta, é preciso comparar a taxa Selic ou CDI com o CET (Custo Efetivo Total), que é o custo real do seu financiamento, recomenda o consultor financeiro Renato Faraco.
Isso porque o custo real do financiamento não se resume apenas à taxa de juros. As instituições financeiras costumam embutir seguros e taxas no valor da parcela. Apesar de não estar facilmente disponível para quem financia, a porcentagem da CET é uma informação que os bancos são obrigados a divulgar.
Assim, se o resultado da conta “Custo efetivo total – rendimento” for:
- Positivo: é mais vantajoso amortizar a dívida. Isso porque você paga mais juros do que ganharia aplicando o dinheiro.
- Negativo: o investimento está rendendo mais do que você paga de juros. Daria para pagar a parcela e ainda sobraria uma graninha.
Vamos a dois exemplos com números
No primeiro cenário:
- Um investidor contratou um financiamento de R$ 300 mil
- Com prazo de 360 meses
- E CET – Custo Efetivo Total de 12,5% ao ano.
- Já pagou 60 parcelas e faltam ainda 300 meses para quitar o financiamento.
Ele recebeu um bônus de R$ 30 mil em janeiro de 2022 e está em dúvida entre aplicar este recurso num título pós fixado, que remunera 100% da taxa Selic.
- A rentabilidade líquida da aplicação é aproximadamente 10,7% ao ano.
- Já possui uma reserva de emergência aplicada num fundo de renda fixa com liquidez diária e não pretende adquirir nenhum bem ou fazer uma viagem cara nos próximos 3 anos.
A diferença entre o CET (12,5%) e a rentabilidade (10,7%) é positiva. Nesse caso, é mais vantajoso amortizar.
Já no segundo:
- O CET do segundo investidor é de apenas 8,5%
- E ele avalia que conseguirá uma rentabilidade líquida de 9,7% ao ano
- Portanto, a rentabilidade do investimento é superior ao custo financeiro que ele possui hoje no financiamento
Todas as outras condições são idênticas ao primeiro caso.
“Neste caso, considerando que esta aplicação possua boa liquidez, o investidor pode manter estes recursos aplicados, e futuramente, se a taxa de juros cair de forma consistente ( por um bom tempo) para patamares bem abaixo dos 8,5% (custo do CET), pode optar por realizar esta amortização”, explica Faraco.
Não é só matemática
Além da matemática pura, saber direitinho quais decisões financeiras você pretende ter no curto prazo vai ser fundamental para guiar sua escolha. Segundo Ricardo Rocha, professor de finanças do Insper, é preciso entender se é vantajoso abrir mão do recurso.
“Você deve avaliar se não teria outra destinação mais urgente ou importante para estes recursos. Por exemplo, amortizar o saldo do seu financiamento imobiliário e, meses depois, contratar um financiamento caro para a compra de um veículo não valerá a pena. Melhor manter estes recursos aplicados e usá-los para comprar seu veículo sem contratar uma dívida nova”, aconselha Faraco.
O conselho unânime dos especialistas é não usar o valor da reserva de emergência para amortizar financiamento. É esse dinheirinho que vai te ajudar caso aconteça algum imprevisto ou você perca sua fonte de renda por um tempo.
Se optar pela amortização, quando é ideal fazer isso?
Segundo os especialistas, a forma mais recomendada é juntar dinheiro por um tempo até ter uma ‘boladinha’ para amortizar. Pode ser o pagamento de 13º, bônus, participação de lucros ou até uma grana inesperada. “Se aplicar o dinheiro, a pessoa aumenta a liquidez dela e fica mais próxima de ter o recurso para fazer uma amortização maior”, diz Rocha.
Alguns tipos de financiamento também dão possibilidade de usar o saldo do FGTS a cada dois anos para amortizar o saldo devedor de um financiamento de imóvel. No caso específico do FGTS, que rende só 3% ao ano, essa transação vale a pena, porque não é possível resgatar esse valor para outro investimento em renda fixa.
“O rendimento do FGTS é muito baixo, inferior aos juros do financiamento. Quem é jovem tem a vantagem de pagar sua casa mais rápido. Já quem é mais velho e tem prestação baixa deve ponderar porque o valor é um futuro adicional da reserva de emergência”, aconselha Rocha.
Segundo o professor, a pessoa precisa levar em conta a liquidez que tem. Se tem a mesma quantia aplicada com rendimento maior, a melhor opção é mesmo usar o FGTS e manter as aplicações.
Na hora de amortizar, a pessoa terá duas opções: diminuir o valor da parcela ou o tempo de financiamento. De acordo com Rocha e Faraco, encurtar o tempo é melhor porque reduz o saldo devedor e, com isso, também os juros sobre ele. Mas, se o valor da parcela é muito alto e está prejudicando o orçamento familiar, a melhor opção é diminuir o valor da prestação.
Uma outra possibilidade levantada pelo professor do Insper só é possível com um cenário de queda da taxa básica de juros. “Depois que a Selic se estabilizar e começar a cair, pode ser vantajosa a portabilidade do crédito. Quando voltar a uma Selic mais palatável, as pessoas podem mudar o crédito imobiliário para uma taxa mais baixa. Principalmente se o prazo até o vencimento for longo”, explica Rocha.