O rio Sena será a estrela maior da abertura da Olimpíada de Paris em 2024, com a inédita cerimônia integralmente realizada fora de um estádio. Cerca de 10.500 atletas de 206 países estarão em 160 barcos para o desfile das delegações ao longo de seis quilômetros. O espetáculo de artistas escalados para as performances também será em movimento, com cenários em mais embarcações. A grande parte das 600 mil pessoas em arquibancadas instaladas nas duas margens não pagará ingresso e ainda terá 80 telões e alto-falantes em locais estratégicos para acompanhar detalhes do desfile, da mesma forma que os esperados 120 chefes de Estado em sua área especial. O Sena, icônico coração da “Cidade Luz”, será o foco de estimados quatro bilhões de telespectadores — ou metade da população do planeta — em 26 de julho de 2024.
O trajeto parte da ponte Austerlitz, ao lado do Jardin des Plantes e contorna as ilhas Saint Louis e De la Cité passando por baixo de dez pontes e portões. É um trecho que oferece acesso a outros cenários históricos de Paris, como a Place de la Concorde, a Esplanade des Invalides, o Grand Palais e a Pont d’Iéna — também locais de competição —, onde termina o desfile, próximo do Trocadéro, a extensa praça do lado direito do rio, se tomada a referência da margem oposta, onde fica a Torre Eiffel.
Até o ano que vem, espera-se que o rio Sena esteja totalmente despoluído (depois da morte biológica declarada em 1960 e parcialmente revivido em meados de 2013). Moradores e turistas já poderiam aproveitar não apenas as praias artificiais (criadas ainda em 2002 pelo prefeito Bertrand Delanoe), mas também as águas, para mergulhar — o que é proibido desde 1923. A prefeita Anne Hidalgo, reeleita em 2020, já comentou que “as cidades do mundo estão reconquistando seus rios”, caso de “La Seine” — como é chamado, assim no feminino, pelos franceses.
Daí o plano de recuperação do Sena, centro econômico e de lazer da vida dos parisienses, além de motivo de adoração dos turistas — principalmente dos mais românticos. São tradicionais os passeios nos bateaux-mouches, embarcações especialmente desenhadas com convés aberto e cobertura transparente, para nada se perder das paisagens, mesmo durante jantares à luz de velas.
Sua nascente é no Plateau de Langres, na Côte-d’Or e a 470 metros de altitude, com extensão de 776 quilômetros e importantes afluentes. Deságua no oceano Atlântico, no Canal da Mancha, perto de Le Havre — depois de banhar Paris e ser poluído por séculos, principalmente por resíduos das zonas urbanas, de indústria, mas também de agricultura, levados por chuvas. Ao longo do tempo, o Sena se tornou via essencial para o transporte de produtos, de materiais de construção a específicos, como de usinas termoelétricas, mas também de trigo — o ingrediente essencial para a insubstituível baguete francesa —, que parte de importantes moinhos localizados em suas margens. A atividade turística é mais localizada na capital da França, país que recebe normalmente mais de 80 milhões de visitantes, em sua maioria passando por Paris.
A história registra que, no calor do século 17, era moda os homens parisienses nadarem nus no Sena (as mulheres ficavam atrás de tecidos estendidos). Na virada dos séculos 19 e 20, lavadores de cachorros trabalhavam nas margens do rio, disputando espaço com banhistas — já devidamente com roupas. Também competições de natação eram promovidas, como a tradicional Travessia de Paris pelo Sena, até todas as atividades nas águas serem vetadas, no início da década de 1920, e barcos passarem a ser requisitados para se tomar sol. Uma inundação-catástrofe ficou nos anais da capital, pela cheia de 1910, que levou o rio a quase nove metros na altura da Pont d’Austerlitz e a deixar marcas nos ombros da estátua do zuavo (soldado argelino) da Pont de l’Alma — onde fica o túnel da morte da Princesa Diana.
Também são inúmeras as referências na literatura e passagens no cinema dos clochards, os sem-teto que viviam nas margens do Sena. Essas laterais do rio, com todos os seus mistérios, foram reconhecidas como Patrimônio da Humanidade em 1991, por indicação da Unesco.