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‘Me disseram que eu tinha morrido’: as histórias da primeira vacinada contra covid no Brasil

Por Redação

Em 17 de janeiro de 2022

Foto- Álvaro Rezende

Aquele domingo de 17 de janeiro de 2021 começou como um dia normal na vida de Mônica Calazans.

Às 5h30 da manhã, ela pegou o transporte público em Itaquera, bairro da Zona Leste de São Paulo, em direção ao Instituto de Infectologia Emílio Ribas, na Zona Oeste da capital paulista.

O hospital, uma das referências no tratamento de doenças infecciosas no Brasil, é um dos locais de trabalho de Calazans. Como enfermeira, ela também atua no Pronto-Atendimento de São Mateus, na região leste da cidade.

Ao chegar no Emílio Ribas, ela iniciou o seu plantão e estava cuidando de três pacientes. Por volta do meio dia, o telefone da enfermaria tocou.

“Era minha diretora. Ela comentou que a vacinação contra a covid-19 poderia começar logo”, lembra.

Naquele mesmo domingo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, estava fazendo uma reunião para decidir se os imunizantes CoronaVac (Sinovac/Instituto Butantan) e Oxford/Covishield (AstraZeneca/FioCruz) receberiam (ou não) autorização para serem aplicados no Brasil.

A reunião, que contou com a presença dos principais diretores da agência, foi transmitida ao vivo pelas redes sociais e por alguns canais de televisão.

Se aprovadas, essas seriam as primeiras vacinas contra a covid-19 a ficarem disponíveis no país. Até aquele momento, a doença já havia matado 210 mil brasileiros.

Logo depois de falar com a diretora, Calazans desceu até o Centro de Convenções Rebouças, que fica bem próximo do Emílio Ribas. Ali seria local onde as primeiras doses de CoronaVac seriam aplicadas nos profissionais de saúde.

Por volta das 15 horas, saiu o resultado: a Anvisa tinha aprovado as vacinas.

“Eu estava sentada no auditório do centro de convenções quando vi uma foto minha numa reportagem com a manchete: ‘Enfermeira Mônica Calazans, de 54 anos, é a primeira vacinada contra a covid no Brasil'”, relata.

A notícia foi publicada em primeira mão pela jornalista Mônica Bergamo, na Folha de S.Paulo.

“De repente, comecei a ouvir: ‘Cadê a Mônica? Cadê a Mônica?”, continua.

A enfermeira garante que não tinha a menor ideia de que seria a primeira brasileira vacinada contra a covid-19.

“Você acha mesmo que, se eu soubesse que apareceria em rede nacional e internacional, não iria me produzir um pouquinho mais, passar um batom, retocar a maquiagem e trocar de roupa?”, brinca.

Assim que recebeu a vacina no braço, Calazans diz que sentiu-se aliviada e vitoriosa.

“Naquele momento, eu entendi que era dado o pontapé inicial para controlar uma doença tão terrível e avassaladora. Finalmente tínhamos uma solução para proteger as pessoas”, entende.

“Eu ergui e cerrei meu punho porque senti que era um momento de vitória”, complementa.

Passado um ano desde aquele dia, a profissional da saúde entende que a escolha dela como a primeira brasileira a receber o imunizante foi cercada de significados.

“Eu sou mulher, mãe solo, negra, enfermeira e trabalho no SUS [Sistema Único de Saúde] desde 1985. De certa maneira, eu represento a força, o engajamento e o comprometimento de muita gente”, avalia.

O dia seguinte

Calazans confessa que não conseguiu trabalhar no dia 18 de janeiro de 2021.

“Das 6 horas da manhã até às 9h da noite eu dei entrevistas. Todo mundo queria saber como era a minha rotina”, conta.

“E, pra ser sincera, minha vida só mudou no aspecto da visibilidade. Eu continuo trabalhando em dois empregos, cuido da minha casa, pego transporte público, faço a janta…”

Mesmo que a rotina dela tenha sido pouco alterada nesses 12 meses após se tornar a primeira vacinada do Brasil, o ano de 2022 promete mudanças: no dia 5 de janeiro, o portal G1 noticiou que a enfermeira se filiou ao partido MDB e é pré-candidata a deputada federal nas próximas eleições, marcadas para outubro.

Questionada pela BBC News Brasil sobre os projetos na política, Calazans não quis dar muitos detalhes. Ela comentou apenas que “em breve, terá informações”.

Voltando ao dia 17 e 18 de janeiro de 2021, a enfermeira acha que esse interesse da imprensa e da população em saber mais sobre ela também tem a ver com uma curiosidade natural sobre os efeitos da vacina.

“Existia uma preocupação muito grande das pessoas se poderia acontecer alguma reação adversa ou se eu estava me sentindo mal”, diz.

Foi justamente nesse momento que começaram a surgir as notícias falsas sobre o estado de saúde dela em aplicativos de mensagens e redes sociais.

“Disseram pra mim mesma que eu tinha morrido após a vacina”, conta.

“Até comentei com a minha mãe que estava com medo de andar na rua e o povo me dar paulada, achando que era um fantasma”, se recorda.

Desse período, Calazans lembra de uma história específica que envolveu um motorista de aplicativo.

“Eu estava de máscara e vestida de branco, com a roupa do trabalho. O motorista percebeu que sou profissional da saúde e comentou: ‘Sabe aquela mulher que tomou a vacina contra a covid? Coitada, ela está muito ruim, internada no hospital e tudo. Por que ela foi fazer isso? Não deveria ter tomado'”, relata.

A enfermeira conta que ficou só escutando toda a história até chegar ao destino. “Quando fui sair do carro, tirei rapidamente a máscara e falei: ‘Sabe a primeira mulher vacinada que você diz estar mal? Sou eu mesma!”, relata.

“Ele congelou, não sabia como reagir”, completa.

Calazans sabe que o maior reconhecimento e a promoção como figura pública também trouxeram muitas responsabilidades.

“Desde aquele dia, tenho que tomar muito cuidado com o que digo e com o que posto nas redes sociais. Tenho que levar informação e conscientizar as pessoas sobre a importância da vacinação para salvar vidas”, destaca.

A tormenta e a calmaria

Logo após o início da vacinação contra a covid em janeiro de 2021, o Brasil viveu o seu pior momento da pandemia até agora.

Entre os meses de fevereiro e junho, o país bateu recordes de casos e óbitos e testemunhou o colapso do sistema de saúde em muitas cidades.

“A gente não dava vazão do tanto de pacientes que nos procuravam. Eu via os números aumentarem e pensava que daqui a pouco iria morrer todo mundo”, confessa a enfermeira.

“Mas, conforme a vacinação avançou, percebi que os casos foram diminuindo e saímos aos poucos daquele período mais difícil”, observa.

Com a queda nas infecções e nos óbitos por covid a partir do segundo semestre de 2021, Calazans diz que houve uma mudança no perfil dos pacientes que buscavam atendimento.

“Aquelas pessoas com comorbidades que tinham receio de ir até as unidades de saúde reapareceram para cuidar melhor das outras doenças”, diz a profissional da saúde, que também notou um aumento na chegada de pacientes com sintomas de infecções respiratórias nas últimas semanas.

Experiências, aprendizados e projetos futuros

Quando questionada pela reportagem da BBC News Brasil sobre a história que mais marcou sua trajetória desde o início da pandemia, Calazans traz a resposta na ponta da língua.

“Posso ficar horas contando casos e mais casos, mas a primeira que me vem à mente aconteceu no dia 31 de dezembro de 2020”, destaca.

“Estava no Pronto Atendimento de São Mateus quando atendi um senhor com 68 anos que tinha sido diagnosticado com covid e precisava ser internado. Ele seria transferido para Parelheiros, na Zona Sul, do outro lado da cidade.”

“Eu tive que colocá-lo na ambulância e dizer para o filho que ele não poderia ir junto. Imagina, separar uma família justo na virada do ano, uma data que a gente quer comemorar e estar próximo de quem amamos.”

A enfermeira lembra que, na correria do atendimento, acabou trocando contatos telefônicos com o filho do paciente.

“Para minha surpresa, recebi uma mensagem no dia 17 de janeiro (data em que ela foi vacinada). O filho me escreveu que estava muito feliz em saber que a primeira pessoa vacinada tinha cuidado de seu pai e agradeceu, pois o homem tinha se recuperado depois de passar cinco dias no hospital”, relata.

Embora uma história ou outra fique marcada em sua memória, Calazans entende que a experiência de lidar diretamente com a maior pandemia do século trouxe uma série de lições.

“Eu aprendi que é preciso ter mais empatia e sempre se colocar no lugar do outro”, diz.

“É necessário cuidar bem de todas as pessoas, porque um dia serei eu, ou alguém da minha família, que vai precisar desses mesmos cuidados.”

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