O presidente americano Joe Biden anunciou na quarta-feira (26) que determinou que as agências de inteligência dos Estados Unidos “redobrem” os esforços de investigação para descobrir se o vírus responsável pela pandemia de covid-19, se espalhou pelo mundo após escapar acidentalmente de um laboratório na China ou se evoluiu naturalmente em um animal hospedeiro até ser capaz de infectar humanos. O prazo para a nova investigação é de 90 dias.
A decisão da Casa Branca acontece em uma semana de reviravolta na opinião pública dos EUA acerca das origens do vírus. Até recentemente, os especialistas em saúde pública do país diziam que, embora não fosse possível descartar por completo a hipótese de um vazamento do Instituto de Virologia de Wuhan – laboratório que em 2019 conduzia estudos com coronavírus até 96% semelhantes ao Sars-CoV-2 na cidade chinesa em que a pandemia eclodiu – essa era a mais improvável explicação para a propagação da covid-19.
Mais plausível, segundo os cientistas, era a hipótese de que o vírus teria surgido em meio às condições sanitárias precárias em que animais não domesticados eram vendidos para alimentação humana no mercado de Huanan, em Wuhan – fechado logo depois do início da pandemia.
Contribuíam para isso a percepção de que todos os casos inicialmente reportados de covid-19 estavam ligados ao mercado e o fato de que a passagem de vírus de animais para humanos já havia sido vista antes em outras pandemias, como a da gripe suína ou a do ebola. Além disso, o Instituto de Virologia de Wuhan sempre negou publicamente que algum de seus funcionários tenha contraído covid-19, ou qualquer doença respiratória semelhante, que pudesse sugerir que o início da contaminação tenha sido ali.
Mas, no último domingo (23/5), o jornal americano The Wall Street Journal divulgou trechos de um relatório de inteligência americano que informava que ao menos três funcionários do Instituto de Virologia desenvolveram uma doença em novembro de 2019 que os forçou a buscar ajuda médica em hospitais, o que contradizia a versão oficial dos cientistas chinesas.
Por enquanto, não há certeza sobre que tipo de doença acometeu os funcionários do laboratório. Oficialmente, o primeiro caso de covid-19 seria notificado apenas em dezembro daquele ano.
Esta foi a última novidade a alimentar as suspeitas, mas definitivamente não a única. Em fevereiro, uma equipe da Organização Mundial da Saúde esteve (OMS) na China para conduzir estudos sobre as origens do vírus. O resultado foi inconclusivo.
Os cientistas da OMS encontraram ao menos uma dezena de casos iniciais de covid-19 que não tinham qualquer relação com o mercado de Huanan. Além disso, amostras recolhidas em animais potencialmente hospedeiros do vírus trouxeram resultados negativos para o novo coronavírus, e o animal que seria o elo para que o vírus passasse do morcego para um humano jamais foi encontrado.
Por outro lado, a equipe da OMS não teria ido suficientemente a fundo na hipótese de vazamento de laboratório, argumentaram países como os EUA, em parte pelo modo pouco transparente com o qual as autoridades chinesas conduziram os trabalhos dos técnicos. E, apesar disso, o relatório final da OMS, em março, dizia ser “extremamente improvável”que um acidente de laboratório fosse a origem da pandemia, algo que os americanos agora consideram difícil de sustentar.
Nas últimas semanas, cientistas renomados têm feito apelos públicos por novas investigações sobre a origem do vírus. Uma delas é Akiko Iwasaki, imunologista de Yale que liderou a pesquisa sobre a resposta do sistema imunológico ao Sars-CoV-2.
A administração Biden levou o pleito por uma nova investigação ao encontro anual da OMS, essa semana, e afirmou que o mundo não será capaz de se prevenir de uma nova pandemia se não souber o que causou a atual.
“A fase dois do estudo das origens da covid deve ser lançada com termos de referência que sejam transparentes, com base científica e forneçam aos especialistas internacionais a independência para avaliar completamente a origem do vírus e os primeiros dias do surto”, afirmou o secretário de saúde americano Xavier Becerra.
A hipótese de que o vírus seria resultado de um acidente de laboratório foi extensamente explorada pelo ex-presidente Donald Trump em sua campanha política, em 2020. Trump e seus aliados foram frequentemente rechaçados pelos cientistas. Um dos que apontava para a baixa verossimilhança da hipótese era o médico Anthony Fauci, líder da força-tarefa contra a covid-19 nos EUA. Na última terça, no entanto, Fauci disse que “não está convencido” sobre o desenvolvimento natural do vírus, a partir do mercado de Huanan.
“Acho que deveríamos continuar investigando o que aconteceu na China até descobrirmos exatamente o que houve. As pessoas que investigaram disseram que era mais provável que tenha surgido de um mercado de animais e depois infectado humanos, mas poderia ser algo diferente disso. E precisamos descobrir”, afirmou Fauci.