Em depoimento à CPI da Covid, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello disse nesta quarta (19/05) que o presidente Jair Bolsonaro “nunca deu ordens diretas para nada” enquanto ele foi ministro. A Comissão Parlamentar de Inquérito investiga ações e possíveis omissões do governo durante a pandemia.
“Em momento algum o presidente me desautorizou ou me orientou a fazer nada diferente do que eu estava fazendo”, disse Pazuello. “As orientações foram fazer a coisa acontecer o mais rápido possível.”
No ano passado, no entanto, o general Pazuello afirmou em um vídeo que sua relação com o presidente “era simples”. “Um manda e o outro obedece”, disse, em outubro de 2020.
“Aquilo é um jargão simplório para discussões de internet”, afirmou à CPI.
Bolsonaro também afirmou que mandou cancelar uma decisão tomada pelo ministério sobre um protocolo de interesse de compra da vacina CoronaVac.
“Já mandei cancelar”, afirmou Bolsonaro em outubro de 2020, questionado sobre protocolo de intenções feito após reunião de Pazuello com governadores.
Pazuello afirmou que a fala de Bolsonaro foi “uma posição como agente político na internet” e que isso não interferiu em nada na discussão que havia com o Instituto Butantan, que produz a CoronaVac.
“Uma fala na internet não é uma ordem”, disse Pazuello. “Bolsonaro nunca falou para que eu não comprasse. Ele falou publicamente, mas para o ministério ou para mim, nunca falou”, disse Pazuello.
O depoimento foi interrompido nessa tarde. Segundo o senador Otto Alencar (PSD-BA), Pazuello teve uma síndrome vasovagal, mas passa bem. Alencar, que é médico, disse que atendeu o ex-ministro. A sessão será retomada na manhã desta quinta-feira.
Habeas corpus
O general foi o ministro que ficou mais tempo no cargo — 10 meses — durante a pandemia, após a saída de dois ministros, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich.
Pazuello foi efetivado como ministro em setembro do ano passado e deixou a pasta em março, no auge da crise, em meio a críticas por sua atuação e investigação da Polícia Federal sobre sua conduta.
Inicialmente convocado para depor há duas semanas, Pazuello não compareceu à data inicial alegando risco de covid por ter tido contato com outras pessoas infectadas pela doença.
Seu depoimento foi então remarcado para esta quarta, o que deu tempo para o ex-ministro entrar na Justiça e pedir para que seu direito ao silêncio fosse garantido.
A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) garantiu algum alívio ao ex-ministro: ele poderá não responder perguntas que possam incriminar a si mesmo. No entanto, ainda terá que responder sobre atitude de outras pessoas pessoas e emitir julgamentos.
Por enquanto, no entanto, Pazuello não se recusou a responder nenhuma pergunta.
Quem embasava as decisões do Ministério da Saúde?
Pazuello disse que as ações do ministério não seguiram todas as orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde) porque não havia obrigação de seguir.
“Não somos obrigados a seguir orientações da OMS”, afirma Pazuello em CPI da Covid.
“A posições da OMS não eram contínuas por causa da incerteza da pandemia”.
“Usamos (as orientações) como base para nosso processo decisório”, afirmou. “(Mas) as posições eram do ministério.”
Se as decisões do ministério da Saúde não foram ordens do presidente da República e também não seguiam as orientações da OMS, quem embasava as escolhas do ministério, segundo Pazuello?
O ex-ministro afirmou que se reunia com sua equipe técnica todos os dias e que era deles que recebia suas informações, e que todas as “posições eram do ministério”.
Pazuello disse que não recebeu orientações do empresário Carlos Wizard, que afirmou à TV Brasil que passou um mês como conselheiro do Ministério da Saúde.
“Carlos Wizard, por si só, propôs reunir um grupo de médicos para aconselhamento, mas eu não aceitei. Teve uma reunião de 15 minutos e não gostei da dinâmica da conversa. Não tive aconselhamento nem assessoramento de grupos de médicos.”
Demora para compra de vacinas
Pazuello negou que o governo tenha deixado de responder três propostas da Pfizer para a compra de 70 milhões de vacinas e culpou as cláusulas do contrato e o preço oferecido pela Pfizer pela recusa do governo às propostas.
Na CPI, o ex-presidente da Pfizer no Brasil, Carlos Murillo, afirmou que as propostas iniciais feitas pela empresa em agosto não foram respondidas pelo governo.
“Foram respondidas. A resposta à Pfizer é uma negociação que começa com a proposta e termina com a assinatura do memorando de entendimento para compra”, disse Pazuello. “Quando nós tivemos a primeira proposta oficial da Pfizer, ele chegou com 5 cláusulas que eram assustadoras”, disse Pazuello à CPI.
O ex-ministro citou exigências como a isenção de responsabilidade por efeitos colaterais, transferência do fórum de decisões sobre questões judiciais para Nova York, pagamento adiantado e não existência de multa por atraso de entrega.
As exigências são as mesmas feitas pela empresa para outros países e similares a outras propostas de outras empresas.
Pazuello afirmou que a existência de “cláusulas leoninas” foi verificada por advogados da assessoria do ministério.
“Hoje já temos outras propostas com essas cláusulas, mas na época não havia”, afirmou.
“Talvez hoje possamos ouvir com um grau de normalidade. Mas a primeira vez que eu ouvi isso achei assustador”, disse Pazuello. “Além disso, a Pfizer trouxe a 10 dólares a dose, e nós estávamos negociando a 3 dólares. Além das discussões logísticas sobre armazenamento.”
Pazuello disse também que não tomou a frente do processo porque a negociação deveria ser feita “em nível técnico”.
O ex-ministro inicialmente afirmou que o TCU (Tribunal de Contas da União) deu parecer contrário ao fechamento do contrato com a Pfizer no fim de 2020. Mas, confrontado com a informação de que o TCU nunca deu tal parecer, disse que se enganou e que os pareceres foram da AGU (Advocacia Geral da União) e do CGU (Controladoria-Geral da União).
O parecer da AGU e do CGU dizia que não há obstáculos intransponíveis para assinatura do contrato, contanto que houvesse uma licença legislativa para tanto. O parecer entretanto só foi dado no fim do ano, meses após a proposta inicial da Pfizer, em agosto.
O general também comentou o fato de o Brasil não ter aderido à opção de fazer reserva de doses para 40% da população no consórcio internacional de vacinas Covax Facility. O Brasil aderiu ao consórcio após o prazo inicial e fez reserva de doses para apenas 10% da população.
“Não havia estabilidade no processo para dar confiança para fazer a reserva maior”, disse Pazuello.
Colapso de Saúde em Manaus
Manaus sofreu em janeiro um colapso do sistema de saúde com a falta de leitos e de oxigênio nos hospitais, o que levou a um grande número de mortes. O dia 14 marcou o fim dos estoques do gás na cidade.
À CPI, Pazuello afirmou que as autoridades de saúde não informaram o ministério sobre a iminência de colapso e que ele tomou conhecimento sobre a situação em Manaus somente no dia 10 (de janeiro de 2021) à noite, em uma reunião com o governador e o secretário de Saúde no Estado.
À CPI, Pazuello disse que no dia 7 de janeiro o secretário de Saúde do Amazonas lhe pediu apoio no transporte de oxigênio para o interior do Estado e que isso foi feito pelo Ministério da Saúde no dia seguinte. Segundo ele, nada foi dito nesse contato sobre risco de colapso na oferta de oxigênio.
O ex-ministro disse ainda ter determinado no dia 8 de janeiro a ida de todos os secretários do Ministério da Saúde junto com ele a Manaus “não pela falta de oxigênio, mas pelo colapso que estava ficando claro na rede como um todo”, em referência à falta de leitos e insumos de forma geral.
“No dia 10, eu me reuni com o governador (Wilson Lima) e o secretário (estadual de Saúde). Foi a primeira vez que o secretário colocou de forma clara de que havia problemas na logística e no fornecimento efetivo de oxigênio para Manaus”.
No entanto, uma comitiva do Ministério da Saúde já havia ido a Manaus em 3 de janeiro. Além disso, um documento de 4 de janeiro produzido pelo Ministério da Saúde e com o nome de Pazuello afirma que “há possibilidade iminente de colapso do sistema de saúde, em 10 dias”, segundo uma reportagem da Agência Pública.
Em seu depoimento à CPI, o ex-chanceler Ernesto Araújo afirmou que os EUA disponibilizaram um avião para transportar oxigênio a Manaus, mas que o governo do Amazonas nunca enviou as especificações necessárias para fazer a viagem.
Senadores consideraram que também era responsabilidade do Ministério da Saúde fornecer esses dados. Pazuello disse que ficou sabendo sobre a oferta por telefone e que afirmou “que queria” a ajuda, mas que nunca chegou a ele pedido de especificação.
Cloroquina e tratamento precoce
O ex-ministro foi cobrado sobre as ações do governo para estimular o chamado “tratamento precoce”, um coquetel de medicamentos sem eficácia comprovada contra covid-19 que inclui substâncias como cloroquina, azitromicina e invermectina.
Pazuello, porém, buscou se eximir de responsabilidade sobre isso. “Aliás, eu sou completamente contra a distribuição de qualquer medicamento, principalmente cloroquina, ou qualquer um, sem a prescrição médica”, disse.
Nelson Teich, ministro anterior a Pazuello, disse que deixou o cargo por não aceitar a pressão de Bolsonaro para promover o uso da hidroxicloroquina.
Um dos primeiros atos da gestão Pazuello foi editar em maio de 2020 uma nota informativa que orientava sobre doses do medicamento a serem ministradas tanto no caso de pacientes com quadros leves de covid, como nos casos graves.
Questionado sobre essa nota, o ex-ministro disse que ela não recomenda o uso da cloroquina, mas “apenas orienta doses seguras caso o médico prescreva”. Ele negou que tenha sido pressionada por Bolsonaro sobre esse tema e justificou a decisão dizendo que naquele momento haveria “dicotomia” nas orientações médicas sobre uso da substância.
Naquele momento, porém, não havia qualquer comprovação científica sobre a eficácia da cloroquina no tratamento de covid-19.
Comunicação e campanhas sobre pandemia
O senador e relator da CPI, Renan Calheiros (MDB), informou que maior parte do dinheiro das peças publicitárias foi direcionada às ações do governo sobre questões econômicas e não sanitárias e questionou quem tomou as decisões sobre isso.
Pazuello contradisse o ex-secretário de Comunicações Fábio Wajngarten, que havia afirmado à CPI que a decisão sobre as campanhas sobre covid-19 vinham do Ministério da Saúde.
O general afirmou que as propostas foram feitas pelo ministério da Saúde, mas a coordenação era toda da Secretaria de Comunicações e que todas as peças publicitárias passavam por eles.
Pazuello também afirmou que diminuiu a quantidade de entrevistas coletivas porque o contrato do Ministério da Saúde com a empresa responsável pela comunicação havia vencido.
Denúncias sobre contratos do Ministério da Saúde no Rio
Panzuello foi questionado sobre contratos do Ministério da Saúde cancelados pela Advocacia Geral da União após serem considerados irregulares. A informação foi revelada na terça-feira (18/05) pelo Jornal Nacional, da TV Globo.
Segundo a reportagem, a Superintendência Estadual do ministério no Rio, sob comando do coronel da reserva George Divério, nomeado por Pazuello, firmou dois contratos sem licitação para reformas de prédios administrativos em valores que somam quase R$ 30 milhões, com empresas suspeitas.
Ainda segundo o Jornal Nacional, o órgão comando por Divério usou a urgência da pandemia como justificativa para realizar os contratos sem licitação, embora os edifícios reformados não sirvam para atendimento de saúde.
Pazuello disse que se informou sobre o caso após a reportagem.
“A informação que tive foi que as causas da emergência (para contrato sem licitação) não foi covid, eram causas de risco à integridade das pessoas que estavam trabalhando nas duas instalações. E dois: não houve emprego de recurso algum porque os processos foram cancelados. Foi verificado pela nossa própria integridade que a formalidade não tava correta e ela foi cancelada antes de ocorrer”, respondeu.
Uso de recursos nos Estados
A ideia de que a culpa do alto número de mortes na pandemia é do uso errado e de supostos desvios de verba nos Estados é a principal narrativa do governo
Pazuello afirmou que o Ministério da Saúde pediu uma auditoria sobre a transferência de recursos para Estados e municípios. Segundo ele, até onde foi informado, não foi constatado nenhum desvio de dinheiro.