Dezenas de corumbaenses devem descer até à prainha do Porto Geral, nesta sexta-feira (2), para fazer louvações à Iemanjá, divindade africana que se popularizou no Brasil como mãe d’água, rainha dos mares e mãe de todas as cabeças, entre outros nomes. É uma das orixás mais populares entre o povo brasileiro, especialmente lembrada nas festas de fim de ano.
De acordo com o pai Robson De Ogum – presidente da associação Orum Aye, que reúne terreiros de religiões de matriz africana em Corumbá – cinco casas devem se reunir na prainha para fazer os cânticos, rezas, oferendas e soltura das barcas.
Duas pessoas entram no rio até a altura da metade do corpo e soltam a barca em reverência à mãe Iemanjá ao som de cânticos e de atabaques.
“Cada casa reúne o seu pessoal, faz as oferendas, começa com orações, incensos, água de cheiro. A gente leva muitas flores para mãe Iemanjá, na barca a gente põe pertences femininos como colares, pulseiras, batom, joias, perfumes. As pessoas geralmente fazem pedido por escrito e colocam dentro da barca. Tem gente que faz promessa, corta o cabelo e põe dentro da barca. Isso é uma oferenda que a gente pede caminhos, saúde, felicidade pelos próximos meses”, descreve Pai Robson de Ogum.
Ele explica que, em 2 de fevereiro, nem todas as casas participam, já que a maioria desce no dia 30 de dezembro para fazer louvação à Iemanjá. A casa em que ele participa foi a que iniciou a ida à prainha do Porto Geral no início do segundo mês do ano, há cerca de uma década.
Contudo, além das casas, há as pessoas adeptas ou simpatizantes de Iemanjá que levam flores e champanhe como oferendas.
Enquanto em 30 de dezembro as pessoas agradecem pelo ano que passou e pelo que virá, o dia 2 de fevereiro é voltado para celebrações à orixá.
A data também celebra a santa católica Nossa Senhora da Candelária, padroeira de Corumbá. O dia é feriado na cidade.
“Nós, em Corumbá, fazemos essa reverência porque está no calendário 2 de fevereiro que é a festa da cidade, Nossa Senhora da Candelária, que dentro da Umbanda é cultuada como Iemanjá”, afirma.
Iemanjá é como rio de água frescas
Iemanjá sempre teve um carinho especial meu por tudo que ela representa em nossas vidas. Ela é a mãe que acolhe, que abriga, que alimenta, que cuida de nossas mazelas. Ela é como um rio de águas tranquilas e frescas, onde nós, seus filhos, podemos descansar e nos aliviar dos fardos pesados que carregamos. Mas também é a mãe que se torna um rio com fortes correntezas onde protege seus filhos de todas as maldades alheias.
Essas são as palavras de Ubiratan Correia Pinto, de 49 anos, que entrou na umbanda aos 20 anos, mas desde 2019 se converteu ao candomblé após ter sido escolhido para ser o Rombono (primeiro filho de uma casa).
Se considera tão agraciado por Iemanjá que é casado com uma mulher iniciada a esta orixá. “A minha vida sempre foi guardada pela grande mãe. O amor que tenho por ela, a fé que tenho nesta orixá é tão grande, que fui agraciado com uma de suas filhas em minha vida”, afirma.
O nome de Iemanjá tem origem no idioma africano Yorubá “Yèyé omo ejá”. Ela é a divindade Orixá que remete ao amor de mãe. Na África, é cultuada no rio Ogum. Entre os vários itans (histórias), o orixá Ogun é o filho mais velho, seguido por Exú e Oxossi. Posteriormente, ela também se tornou mãe de Omulu, que teve as feridas cuidadas por ela.
“A sua imagem africana mostra uma mulher de seios fartos e sempre a amamentar, tanto que os atos apresentados por elas dentro do candomblé sempre nos remetem a uma mulher que amamenta uma criança em cada seio. Ela também é considerada a mãe de todas as cabeças, por isto, em determinados rituais cujo objetivo é alimentar a cabeça e afastar tudo aquilo que é negativo em nossos pensamentos, ela é cultuada junto a Oxalá”, detalha Ubiratan.
Duas festas em Corumbá
O dia 2 de fevereiro é voltado para celebrações afro-religiosas e católicas em Corumbá, devido às comemorações à Iemanjá e Nossa Senhora da Candelária, respectivamente. Enquanto ocorrem missas e quermesses em homenagem à santa, os terreiros se preparam para as louvações à orixá.
Nossa Senhora da Candelária ou Nossa Senhora da Luz é padroeira de Corumbá e é um dos títulos pelos quais a Igreja Católica conhece e venera a Virgem Maria. A origem de devoção remete à festa de apresentação do Menino Jesus no templo e da purificação de Nossa Senhora, 40 dias após o nascimento do Menino Jesus, o que dá em 2 de fevereiro.
De acordo com a mestranda em antropologia social da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) que pesquisa as louvações para Iemanjá às margens do Rio Paraguai em Corumbá, Thaylla Giovana Pereira da Silva, não há um sincretismo religioso em que há a comunhão das duas imagens religiosas, mas um convívio em que os praticantes participam das duas celebrações.
“É interessante a relação do dia porque muitos afro-religiosos vão até às missas e tem suas promessas com Nossa Senhora da Candelária. Alguns católicos descem até o Porto Geral e prestigiam também a festa de Iemanjá. Então, é mais essa relação de como ambas religiões comemoram no mesmo dia e participam uma da outra de certa forma […] eu não entendo Iemanjá como Nossa Senhora da Candelária e acredito que muitos afro-religiosos também não, mas claro que depende muito de doutrina para doutrina, de casa para casa”, ela explica.
A mestranda pela UFMS explica que, apesar da popularização da orixá como rainha dos mares, os filhos de Iemanjá a louvam a partir da própria realidade. Como Mato Grosso do Sul e outros estados não possuem litoral, é comum que devotos façam oferendas em rios.
“Iemanjá vai muito além dessa questão da água salgada. Ela está atrelada às águas, que a gente tem essa beleza e essa profundidade a partir dos rios, como o Rio Paraguai, e os outros diversos rios que banham o nosso Pantanal”, enfatiza.
Outras cidades de Mato Grosso do Sul também louvam a orixá, como Aquidauana e Anastácio. Cada município se adequa para fazer as homenagens. Contudo, a Cidade Branca é agraciada por um rio dentro do perímetro urbano e é reconhecida pela alegria em festejar, o que contribui para ser um dos destaques de Mato Grosso do Sul nas celebrações.
“Acredito que por conta da gente ser agraciado pelo Rio Paraguai e ter toda essa visibilidade por conta das festas de Corumbá, de ser um povo festeiro, de ser um povo religioso, fervoroso em sua fé, se tem mais visibilidade. As pessoas de fato descem ao porto todo ano, é algo tradicional, e fazem as suas obrigações, então acredito que tenha mais visibilidade, mas todas as cidades que possuem terreiros, as suas casas, fazem as suas entregas para Iemanjá. É de acordo com a doutrina de cada casa e a partir das possibilidades que se tem”, aponta.
Fonte: Midiamax