O que vem à sua mente quando pensa em um perfeccionista? Você pode lembrar de figuras exemplares como aquele aluno disciplinado nota 10, um profissional metódico e pontual de alto desempenho ou alguém que mantém todos os cantos da casa incrivelmente limpos. Embora muitas vezes seja incluído como característica positiva da personalidade (especialmente em entrevistas de emprego), o perfeccionismo pode manifestar sua faceta nociva.
Quando seus padrões são elevados e rígidos e a autocrítica é feroz, a vida se torna cansativa, os projetos não saem do papel e a insatisfação é recorrente, minando a autoestima. Ansiedade, depressão e outros problemas da saúde mental podem decorrer dessa espiral de descontentamento.
A analista Jéssica Neves Rodrigues, de 33 anos, reconheceu há pouco tempo que o perfeccionismo atrapalha a sua vida. Quando escreve um bilhete à mão, por exemplo, costuma refazê-lo algumas vezes até que aprove a sua caligrafia. “Isso é exaustivo. Eu me cobro muito e tenho dificuldade em delegar funções porque sempre acho que faço melhor”, diz.
“Comecei a enxergar meu perfeccionismo como defeito, não como qualidade. Quando senti ansiedade diante das tarefas que eu adiava e não terminava. Isso me dava sensação de impotência que baixava a minha autoestima”, conta ela que, com o apoio de uma psicóloga, aprendeu a se cobrar menos.
Na psicologia, é mais comum encontrar pesquisas sobre impactos negativos do perfeccionismo, mas há estudos que distinguem o perfeccionismo “adaptativo”, com efeitos positivos na vida da pessoa que sai da zona de conforto para buscar a evolução, e o “mal adaptativo”, que leva a pessoa a focar no erro, já que considera que não deveria errar, explica a neuropsicóloga clínica Priscila Covre.
No seu consultório, ela recebe muitos pacientes que têm padrões de comportamento perfeccionistas, mas que não se percebem assim – e nem fazem a correlação entre essa característica e os impactos negativos em suas vidas. “O perfeccionismo pode atrapalhar a vida quando a pessoa estabelece metas e padrões altos, pouco realistas e inflexíveis. Ela pode perder um tempo grande tentando alcançar esse padrão, sem coragem de dar um passo para trás, e ficar isolado”, diz a psicóloga.
Outro padrão nocivo é focar demais nos erros e só aceitar a “nota 10”, sem reconhecer pequenos avanços. “Quando consegue algo, ele desvaloriza. Se não consegue, faz autocrítica pesada. Ou nem começa a fazer por medo de errar, o que faz dele um procrastinador, que adia as suas tarefas”, diz.
Meritocracia, perfeccionismo e síndrome do impostor
A psicóloga Priscila percebe que o perfeccionismo tem se tornado mais comum. “Os padrões culturais reforçam a meritocracia do valor próprio, que constrói uma autoestima baseada em desempenho: para eu merecer ser amado e ter valor como ser humano, preciso me esforçar, conquistar.”
Uma pesquisa da American Psychological Association identificou o aumento do perfeccionismo entre universitários, causado por altas expectativas e críticas dos pais, com possíveis impactos na saúde mental dos jovens. No estudo, com universitários nos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, foi identificada alta de 40% de percepção dos jovens em relação à expectativa dos pais entre 1989 e 2021.
“Se a criança tiver um perfeccionismo desadaptativo, a sensação de nunca satisfazer os padrões elevados almejados internamente, combinado com a expectativa de seus pais, pode comprometer a saúde psicológica com estresse, ansiedade e até mesmo depressão”, afirma a psicóloga Ana Karla Silva Soares, professora de Psicologia na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).
Ana Karla coordena o Núcleo de Pesquisa em Psicometria e Psicologia Social (NPPS), onde o perfeccionismo é um dos temas mais estudados. Nas pesquisas do NPPS, os resultados demonstraram que o perfeccionismo está associado a outras variáveis psicológicas como autoestima, procrastinação e síndrome do impostor – sentimento de que é uma fraude e que o sucesso não se deve a nossa habilidade, mas sim a fatores externos como sorte.
Apesar de ter conquistado diversos títulos acadêmicos, a sensação de ser boa o suficiente não chegou para a historiadora Mariana Sarkis Olson, de 33 anos. “Tenho dificuldade em comemorar minhas conquistas”, afirma. Desde que estava no ensino fundamental, ela tem vergonha de não entregar algo perfeito, o que traz ansiedade, frustração e insegurança.
“Vivi em constante sensação de estar paralisada, pois a meta sempre foi tão alta que torno a execução sofrida ou impossível. Daí vem a ‘senhora procrastinação’ para me assombrar”, afirma. Por isso, Mariana parou de escrever poesia, as aulas de pintura e se esqueceu do quanto amava fazer teatro. Ela acredita que o perfeccionismo tenha raízes na infância. “Eu ouvia que tirar nota 10 não era mais do que minha obrigação e que se não fosse para fazer direito, era melhor nem fazer.”
A psicóloga Priscila percebe que o perfeccionismo tem se tornado mais comum. “Os padrões culturais reforçam a meritocracia do valor próprio, que constrói uma autoestima baseada em desempenho: para eu merecer ser amado e ter valor como ser humano, preciso me esforçar, conquistar.”
Uma pesquisa da American Psychological Association identificou o aumento do perfeccionismo entre universitários, causado por altas expectativas e críticas dos pais, com possíveis impactos na saúde mental dos jovens. No estudo, com universitários nos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, foi identificada alta de 40% de percepção dos jovens em relação à expectativa dos pais entre 1989 e 2021.
“Se a criança tiver um perfeccionismo desadaptativo, a sensação de nunca satisfazer os padrões elevados almejados internamente, combinado com a expectativa de seus pais, pode comprometer a saúde psicológica com estresse, ansiedade e até mesmo depressão”, afirma a psicóloga Ana Karla Silva Soares, professora de Psicologia na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).
Ana Karla coordena o Núcleo de Pesquisa em Psicometria e Psicologia Social (NPPS), onde o perfeccionismo é um dos temas mais estudados. Nas pesquisas do NPPS, os resultados demonstraram que o perfeccionismo está associado a outras variáveis psicológicas como autoestima, procrastinação e síndrome do impostor – sentimento de que é uma fraude e que o sucesso não se deve a nossa habilidade, mas sim a fatores externos como sorte.
Apesar de ter conquistado diversos títulos acadêmicos, a sensação de ser boa o suficiente não chegou para a historiadora Mariana Sarkis Olson, de 33 anos. “Tenho dificuldade em comemorar minhas conquistas”, afirma. Desde que estava no ensino fundamental, ela tem vergonha de não entregar algo perfeito, o que traz ansiedade, frustração e insegurança.
“Vivi em constante sensação de estar paralisada, pois a meta sempre foi tão alta que torno a execução sofrida ou impossível. Daí vem a ‘senhora procrastinação’ para me assombrar”, afirma. Por isso, Mariana parou de escrever poesia, as aulas de pintura e se esqueceu do quanto amava fazer teatro. Ela acredita que o perfeccionismo tenha raízes na infância. “Eu ouvia que tirar nota 10 não era mais do que minha obrigação e que se não fosse para fazer direito, era melhor nem fazer.”
“O perfeccionismo ia além do trabalho, atrapalhando até os compromissos sociais. Meu pensamento era binário: se não fosse perfeito, eu não ia fazer. Era difícil oferecer um jantar para os amigos, por exemplo, pois eu ficava pensando que a casa precisaria estar limpinha e a comida boa”, diz.
Em passos de formiga, ele resolveu enfrentar o perfeccionismo. “Comecei com um canal de humor, em que eu era anônimo. Com o tempo, ganhei coragem para fazer vídeos mais longos e a publicar conteúdo mais autoral”, diz Tiago. Hoje ele mantém o projeto Tira do Papel, que ajuda pessoas a engrenar em seus projetos criativos no seu ritmo, com mais de 250 mil seguidores no Instagram e 17 mil assinantes no YouTube. Também escreveu o livro Erra uma vez – Uma jornada visual sobre as nossas inseguranças criativas e a busca utópica pela perfeição, que oferece dicas de como lidar com obstáculos criativos comuns.
Perfeccionismo no mercado de trabalho e nos esportes
No mercado de trabalho, os perfeccionistas integram positivamente as equipes, contanto que entendam e valorizem a diversidade e sejam empáticos, afirma Lucas Toledo, diretor executivo do PageGroup, empresa de recrutamento e seleção. “Se for uma pessoa organizada, que gosta de fazer tudo bem-feito, que gosta de seguir normas e procedimentos, vamos avaliar se ela tem flexibilidade para experimentar métodos novos, o que tem tudo a ver com inovação.”
Nos esportes, o perfeccionismo também pode ser benéfico, na visão da psicóloga Leticia Capuruço, especialista em Psicologia do Esporte. “O esporte atrai e ao mesmo tempo forma perfeccionistas. É uma característica que, se usada de forma positiva nos atletas, faz com que eles se esforcem e melhorem seu desempenho”, diz. Leticia recomenda a pais e técnicos de atletas que incentivem sempre a busca pela evolução, não a fixação pelo resultado final. “Aos atletas perfeccionistas, eu pergunto como foi o jogo, não quanto foi. É melhor que o técnico mostre soluções, em vez de apontar erros”, afirma.
O perfeccionismo atrapalha a sua vida? Faça o teste:
Abaixo, você encontra desdobramentos negativos do perfeccionismo. Caso se identifique com algum deles, permita ser mais flexível consigo mesmo e valorize pequenas conquistas, reconhecendo o caminho até a meta final.
– Você determina metas irreais ou indefinidas e nunca está satisfeito com suas conquistas. Para você, é tudo ou nada: como seu padrão é muito elevado, você não se contenta com pequenos avanços.
– Você é inflexível, rígido: se não for para fazer do seu jeito, “bem-feito”, você não aceita.
– Você tem um “carrasco interno” que está sempre focado nos seus erros e imperfeições. Sua autocrítica é impiedosa. Você vive se cobrando, dizendo a si próprio que “deveria” fazer algo para ser melhor.
– Você tem dificuldade de delegar tarefas, pois você só gosta do seu jeito de fazer as coisas. Seu relacionamento com outras pessoas – família, colegas e amigos – também é prejudicado por esse olhar crítico e exigente.
– Você procrastina as suas tarefas, pois só terá coragem de encará-las na última hora, com a pressão do prazo.
– Você não consegue tirar projetos do papel ou demora muito para fazê-lo, já que está sempre pensando nos mínimos detalhes.
– Você tem ficado ansioso e/ou desanimado por conta de uma ou mais situações citadas anteriormente.