Sucesso entre as crianças, o pop-it faz parte da categoria de “fidget toys”, brinquedos que ajudam no foco e na atenção, em tradução livre. Apesar de serem vendidos como algo que alivia o estresse de crianças, ainda faltam evidências científicas que comprovem essa hipótese.
Por outro lado, o brinquedo manual é considerado uma alternativa saudável de entretenimento por trazer estímulos visuais e sensoriais, além de diminuir o contato com eletrônicos, um potencializador da ansiedade nas crianças, segundo os especialistas consultados pela CNN Brasil. Pesquisadores dos Estados Unidos, por sua vez, estudam o efeito do brinquedo no transtorno de ansiedade em crianças e adultos, com resultados promissores.
De onde vem o pop-it?
Em uma tradução literal, o termo fidget toys seria “brinquedos para inquietação” e o pop-it, feito de silicone e disponível em várias cores, formas e tamanhos, é hoje o mais famoso da categoria.
O pop-it tem “bolhas” semiesféricas que podem ser empurradas, fazendo um suave estalo. Após pressionar todas elas, você pode virar o brinquedo e começar novamente do outro lado. Ele tem o mesmo mecanismo do plástico bolha, sendo praticamente impossível estourar uma bolha só.
O brinquedo ganhou popularidade após um vídeo que mostra um macaco ‘estourando’ as bolhas do brinquedo viralizar na internet. Mas o que pouca gente sabe é que o brinquedo foi criado pelo casal de designers de jogos Theo Coster e Ora Coster, os mesmos criadores do jogo “Cara a Cara”.
Theo, um judeu nascido em Amsterdã, na Holanda, foi colega de classe de Anne Frank, a menina judia que narrou em seu diário como se escondia dos inspetores nazistas durante o Holocausto. Seus manuscritos deram forma ao livro “Diário de Anne Frank”, uma das narrativas mais conhecidas sobre os horrores do nazismo.
Além da impressionante história envolvendo o pop-it fica a pergunta se, de fato, o brinquedo é válido para diminuir a inquietação das crianças.
O pop-it é benéfico contra a ansiedade?
“O pop-it tem sim uma função terapêutica, alivia o estresse, a ansiedade, acalma. E para as crianças, em especial, tem cores e texturas que estimulam a visualização tátil, o foco, já que são brinquedos que as crianças usam com as mãos e as deixam ocupadas e relaxadas”, afirma a psicóloga Marilene Kehdi, especialista em psicologia clínica.
Kehdi explica que a interação com o brinquedo pode causar efeitos semelhantes em adultos e crianças, já que “o comportamento repetitivo tem a função de distrair e de tirar o foco do estresse”.
“Este tipo de brinquedo pode ajudar crianças e adultos a eliminar a carga emocional, o que vem sendo importante no período de isolamento social”, afirma.
Para a pediatra Ana Márcia Guimarães, membro do Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), embora faltem estudos científicos que comprovem a efetividade do pop-it no estresse infantil, outros brinquedos sensoriais já demonstraram que são eficazes neste sentido, e podem ser incluídos na rotina da criança que apresente algum comportamento ansioso.
“Não temos uma comprovação científica em relação ao pop-it especificamente, mas temos em relação a todas as outras ferramentas parecidas, como qualquer brinquedo lúdico, como quebra cabeça, brinquedos sensoriais, massinha de modelar, pintura, melhoram sim o comportamento em relação a ansiedade”, afirma.
Alternativa às telas
Para Marilene , o maior benefício do pop-it é que ele tende a diminuir o tempo de exposição às telas, fator que costuma impulsionar a ansiedade infantil.
A popularidade do pop-it chegou ao consultório médico e, segundo Erasmo Cafella, neurologista da infância e da adolescência da Associação Brasileira de Neurologia, é comum pais questionarem se o brinquedo pode ser um recurso para deixar as crianças mais calmas.
Segundo ele, falta comprovação científica de sua real funcionalidade. E, por isso, o pop it não deveria ser considerada a única opção para ajudar crianças com sinais de ansiedade ou estresse.
“Não dá para provar que ajuda, mas qualquer brinquedo é melhor do que ficar na tela, no celular. O que não pode é deixar usar o tempo todo, usar na escola porque o brinquedo faz barulho e pode atrapalhar os colegas”, diz.
Estudo com adultos e crianças
Katherine Isbister, professora de Mídia Computacional da Universidade da Califórnia em Santa Cruz (UCSC), nos EUA, estuda a eficácia dos brinquedos para inquietação no comportamento humano e falou em um artigo na revista “The Conversation” em maio deste ano, que “os fidget toys parecem ter usos práticos para adultos e crianças, especialmente em momentos de estresse”, escreveu.
Ela e a professora de ciências comportamentais, Julie Schweitzer, da UCSC, que estuda os efeitos de tarefas de concentração em crianças com Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), criaram um “brinquedo inteligente” que detecta quando e como ela é usada.
O objetivo da experiência é entender se dar às crianças um item de inquietação “inteligente” pode ajudar a acalmá-las e melhorar suas habilidades autocalmantes.
“Construímos uma pequena “criatura ansiosa”, um “fidget ball” (“bola para inquietação”), que as crianças poderiam abraçar e acariciar para acalmá-la. A criatura começa com um batimento cardíaco acelerado e então começa a ronronar feliz assim que é acalmada”, disse Isbister no artigo.
Segundo a professora, os primeiros resultados se mostraram promissores e foram recentemente aplicados por desenvolvedores de produtos comerciais para criar um brinquedo interativo para acalmar crianças e também adultos.
Schweitzer disse que a ansiedade em torno da pandemia de Covid-19, de trabalhar em casa ou frequentar a escola é um desafio, e o estudo visa estudar as implicações de como o uso destes dispositivos – a pesquisa cita os spinners e os cubos anti-estresse – podem aliviar a ansiedade e aumentar o foco.
“Precisamos que a ciência avalie se esses dispositivos podem ajudar e como [ajudar]. O TDAH está associado a renda mais baixa, instabilidade no trabalho, maior abuso de substâncias e taxas de acidentes e muito mais”, disse Schweitzer.
“Espera-se que as pessoas prestem atenção às reuniões virtuais por horas e qualquer coisa que você possa fazer para ajudar a melhorar a atenção, o estado de alerta e a regulação emocional das pessoas pode ser útil”, acrescentou.
Porém, ainda faltam dados definitivos que comprovem esta hipótese, segundo Isbister.
“Ainda não houve um estudo de pesquisa definitivo sobre o impacto desses brinquedos. Em uma pesquisa preliminar analisando o uso de bolas de estresse, alunos da sexta série que usaram esses brinquedos de agitação durante a instrução relataram de forma independente que sua atitude, atenção, habilidades de interação e interação com os colegas foram melhoradas”, disse.
Como detectar ansiedade na criança
Antes de tentar achar o brinquedo perfeito para ‘acalmar as crianças’, é importante estar atento a certos padrões de comportamento que podem indicar estresse ou transtornos de ansiedade nas crianças, orientam os especialistas.
Crianças ansiosas tendem a ter um medo exagerado de situações, dificuldades de interação social, compulsão alimentar e dificuldades de sono, e apresentam um sofrimento, explica a pediatra.
“A criança ansiosa se preocupa com coisas que não são próprias da infância, como contas, medo de ser assaltada, da mãe não voltar, de acidentes, entre outras situações que revelam um sofrimento em situações que não deveriam ser ameaçadoras para a criança”, diz.
Assim como os adultos, as crianças podem apresentar três graus de ansiedade: leve, moderado e grave.
“Nos casos leves, a criança apresenta boa socialização, não é irritada ou isolada, não tem transtornos alimentares. Nos casos mais comprometidos, a criança já demonstra algum transtorno alimentar, de sono, dificuldade de socialização, adoece com frequência, não suporta o afastamento dos pais. Nestes casos, pode precisar de uma avaliação com um neuropediatra ou pediatra do desenvolvimento”, explica a pediatra.
Os casos graves, menos comuns, podem requerer remédios psiquiátricos, mas primeiro deve haver um caminhamento do pediatra, ressalta o neurologista da infância.
As consequências do isolamento social durante a pandemia de Covid-19 criaram situações que serviram de gatilho para a ansiedade em crianças, diz Cafella.
“A pandemia aumentou muito a ansiedade das crianças porque elas deixaram de ter uma válvula de escape, e quando vimos algumas desenvolveram transtornos de ansiedade, como a depressão, que a família não consegue detectar. Em casos mais severos, pode melhorar com terapia e às vezes medicação.
Como diminuir a ansiedade
Fatores genéticos e ambientais também podem ser gatilhos da ansiedade em qualquer idade. Isto é, se os pais são ansiosos, se o clima familiar é estressante, é natural que a criança absorva tais comportamentos, explicam os especialistas.
Tudo isso em níveis aumentados, pode realmente desencadear transtornos de ansiedade nas crianças, por isso, é fundamental excluir ou diminuir os focos de estresse do convívio das crianças (dos adultos também, quando possível), segundo a psicóloga.
“Para os pais ou responsáveis, é importante que tenham o estilo de vida menos estressante possível, criem uma rotina que propicie qualidade de vida para a criança, sem muita agitação, sem muito estresse, com horários para dormir, comer, estudar, e ter momentos de relaxamento”, diz.