“Você está pronto para constituir família?”
Essa é a pergunta que Kyung Mi Lee, estudante da Universidade Yale, nos Estados Unidos, apresentou em um artigo de fevereiro de 2020, intitulado Settling Down: Romance in the Era of Gen Z (“Constituindo família: o romance na era da geração Z”, em tradução livre) e publicado no jornal universitário Yale Daily News.
Estariam ela e seus colegas seguindo a tendência dos millennials, de postergar o casamento?
Cerca de dois anos depois que escreveu o artigo, Lee (agora com 23 anos de idade) acha que a resposta é sim – mas por uma razão que talvez seja diferente dos seus companheiros millennials.
“No meu imaginário cultural, a aversão [da geração millennial] a compromissos de longo prazo significa que as pessoas estão tendo mais relacionamentos”, afirma ela.
Em outras palavras, Lee acredita que os millennials (nascidos entre 1980 e 1995) levaram mais tempo para casar-se porque estavam ocupados aproveitando a vida de solteiro.
Para a geração Z (nascida entre 1995 e 2010), ela imagina que “as pessoas têm aversão [a relacionamentos de longo prazo] porque elas são mais… introspectivas sobre os tipos de relacionamentos que desejam ter”.
Cada vez mais pesquisas confirmam a opinião de Lee: a geração Z parece ter uma visão muito pragmática dos relacionamentos em comparação com as gerações anteriores e estão fazendo menos sexo.
“Eles compreendem que poderão ter parceiros diferentes em diferentes épocas da vida [que] podem atender a necessidades diversas”, segundo Julie Arbit, vice-presidente global de conhecimentos do grupo de comunicação Vice.
Sua pesquisa envolveu 500 participantes do Reino Unido e dos EUA (em sua maioria, da geração Z e millennials, com alguns participantes da geração X incluídos “para comparação”) e concluiu que apenas um em cada 10 integrantes da geração Z afirma ter “decidido firmar compromisso”.
Outros pesquisadores chegaram a conclusões similares. Segundo um estudo sobre a geração Z na Índia, por exemplo, 66% dos participantes aceitam que “nem todos os relacionamentos serão permanentes”, enquanto 70% rejeitam uma “relação romântica limitadora”.
Os pesquisadores e os membros da geração Z atribuem essa questão a dois fatores.
Primeiramente, essa geração está entrando na idade adulta em uma época particularmente delicada, marcada pela pandemia da covid-19, mudanças climáticas cada vez mais sérias e instabilidade financeira. Muitos acreditam que precisam atingir a estabilidade sozinhos antes que outra pessoa entre em cena.
E existe também o maior acesso a informações online sobre relacionamentos, que fornecem à geração Z a linguagem de que eles precisam para definir quem são e o que querem de um relacionamento que não comprometa sua identidade e suas necessidades.
“Eles são extremamente focados em si próprios”, afirma Arbit, “e não porque estão sendo egoístas. Eles sabem que são responsáveis pelo seu próprio sucesso e felicidade e que precisam ser capazes de cuidar de si próprios antes de cuidar dos demais.”
A busca da estabilidade
“Nos anos 1960 e 1970, um homem comum com 25 anos de idade conseguia sustentar uma família com a sua renda, sem esperar que sua esposa trabalhasse”, afirma Stephanie Coontz, diretora de pesquisa e educação pública do Conselho sobre Famílias Contemporâneas, com sede nos Estados Unidos.
Para muitas pessoas da geração Z, a ideia de que uma pessoa com 25 anos de idade possa sustentar toda uma família e que o homem espera que a esposa fique em casa não se adapta mais às circunstâncias atuais – e, para alguns, parece até motivo de risadas.
A geração Z prioriza uma base financeira sólida individual, o que está alongando o caminho até o casamento, segundo Arielle Kuperberg, professora de sociologia da Universidade da Carolina do Norte em Greensboro, nos Estados Unidos. Para ela, “as pessoas estão levando cada vez mais tempo para constituir família porque estão demorando cada vez mais para atingir a estabilidade financeira”.
Kyung Mi Lee e seus amigos concordam. Ela conta que se sente na “geração mais instável financeiramente da história”, o que aumenta o seu desejo de atingir “independência financeira” antes de estabelecer-se em um relacionamento de longo prazo.
Veterana na universidade, Lee afirma que ela e seus amigos estão muito mais dispostos a priorizar suas carreiras do que seus relacionamentos, para atingir uma posição financeiramente mais estável. “É raro ter um amigo que diga ‘vou me mudar para este lugar para poder ficar com meu ou minha parceira'”, conta ela. Eles estão se concentrando mais no que é melhor para suas carreiras e como eles podem fazer os relacionamentos encaixar-se nelas.
A pesquisa de Kuperberg sobre a geração Z confirma esse fato. Ela concluiu que pessoas mais jovens em vias de construir suas carreiras são menos propensas a ter encontros formais do que os millennials. “Não acho que eles não queiram ter relacionamentos de longo prazo. Acho que eles estão postergando esses relacionamentos”, afirma ela.
Kuperberg também concluiu que a atual instabilidade dos jovens adultos levou mais jovens a voltar para a casa dos pais porque não conseguem sustentar-se sozinhos na casa dos 20 anos de idade. “O aumento dos relacionamentos mais casuais e a queda dos relacionamentos mais sérios… ocorre porque simplesmente é mais difícil formar [estes últimos].”
E, recentemente, a pandemia de covid-19 também exacerbou a tendência dos jovens adultos não conseguirem viver independentemente.
Kuperberg entrevistou um homem da geração Z no primeiro semestre de 2020 que se mudou com seus pais de Washington para a Carolina do Norte, nos Estados Unidos, pouco depois que a pandemia atingiu o país. Ele contou aos pesquisadores que não iria namorar de novo enquanto não voltasse para a capital.
Busca da alma
Um estudo global sobre o amor depois do lockdown conduzido pelo grupo de comunicações Vice em setembro de 2020, no qual 45% dos participantes eram da geração Z, demonstrou que 75% estavam solteiros e não namoraram durante a pandemia. Muitos relataram que isso ocorreu, em parte, porque eles queriam usar o tempo sozinhos para conhecer-se melhor antes de buscar um parceiro.
“Comecei a pensar sobre mim mesmo, o que eu quero e o que não quero fazer… e isso me ensinou muito”, disse anonimamente um homem da geração Z da Itália, citado na pesquisa. Uma mulher da geração Z dos Estados Unidos expressou o mesmo sentimento: “estou fisicamente distante de todos e [agora] posso dar um passo atrás e perguntar ‘quem sou eu?'”
É claro que essa atitude pode ser consequência da falta de escolha durante o lockdown e não de uma propensão da geração Z à introspecção. Mas membros da geração Z de todo o mundo têm muito mais recursos para descobrir quem são, incluindo aplicativos de redes sociais como o TikTok, onde terapeutas comumente discutem estilos de conexão e dicas de relacionamentos saudáveis.
Lee, por exemplo, observou que suas irmãs mais jovens (uma no primeiro e outra no segundo ano da faculdade) aprenderam no TikTok linguagem profunda para falar sobre relacionamentos.
“Os adolescentes estão falando sobre seus estilos de conexão a parceiros românticos e sexuais usando linguagem como ‘meu estilo de conexão é ansioso'”, afirma ela. Isso indica uma visão muito consciente do que é o namoro, priorizando encontrar alguém que faça sentido para você e não alguém que você simplesmente ache atraente ou interessante.
Embora essas prioridades certamente não sejam exclusivas dessa geração, a geração Z dispõe de uma série de recursos facilmente disponíveis para encontrar, de forma mais consciente, um parceiro mais adequado, de maneiras que as gerações anteriores talvez não conhecessem.
Outro fator é a evolução da postura sobre a sexualidade e os papéis de gênero. Na geração Z, existe uma sensível redução da adesão a um gênero binário e um aumento das “pessoas dispostas a explorar a sua sexualidade”, segundo Kuperberg.
Na sua pesquisa, analisada pela BBC, ela inclui uma estatística que demonstra que cerca da 50% das pessoas da geração Z identificam-se como heterossexuais e “muitos afirmam que são heteroflexíveis”.
Essa abertura para diferentes tipos de parceiros sexuais e relacionamentos relembra as observações de Julie Arbit sobre a geração Z, sobre não necessariamente procurar seu único relacionamento, mas sim buscar diversas pessoas para atender a necessidades diferentes, sejam elas românticas, sexuais ou algo totalmente diferente.
“Nossos pais podem ter procurado alguém da mesma religião ou das mesmas opiniões políticas”, afirma Arbit. “Esta geração está procurando honestidade e paixão, alguém que os anime a levantar da cama de manhã… em comparação com as gerações anteriores, eles estão abertos para namorar com diferentes tipos de pessoas e dar a elas uma chance.”
Sinal de mudança
Essa abordagem holística dos relacionamentos é totalmente diferente das adotadas por muitas gerações anteriores.
Stephanie Coontz, do Conselho sobre Famílias Contemporâneas, relembra que, quando ela entrevistava pessoas para seu livro sobre as mulheres e as famílias nos anos 1960 e perguntava às mulheres por que elas decidiram se casar, “elas pareciam surpresas… e diziam ‘estava na hora'”. “Havia esse sentimento de que o casamento era algo que você fazia para entrar na vida adulta… agora, é o contrário.”
Este é um sinal de mudança para a geração Z. Enquanto o casamento costumava ser um rito de passagem para a idade adulta, hoje ele é um sinal de que você já é adulto.
A sociedade vem se movendo nessa direção há algum tempo e cada geração tem ideias mais flexíveis sobre a família tradicional e sua importância nas suas vidas. É difícil distinguir se a geração Z está moldando a sociedade com essa postura ou se é a sociedade que está moldando a geração Z.
É claro que esses padrões não são válidos para todos. Entre estudantes universitários, Arielle Kuperberg descobriu que a raça, a classe social, o gênero e a religião das pessoas da geração Z podem influenciar a forma como eles namoram e procuram relacionamentos.
“As pessoas brancas são mais propensas a ter relacionamentos casuais. Já as pessoas negras costumam formar relacionamentos ou ter mais encontros formais”, segundo ela, acrescentando que as pessoas de ambientes socioeconômicos mais favoráveis são mais propensas que outras a ter encontros sexuais casuais e formar relacionamentos de longo prazo – provavelmente porque elas “têm mais recursos” e, consequentemente, mais estabilidade.
Embora muitos sinais indiquem que a geração Z esteja postergando o casamento ou relacionamentos permanentes, como os millennials antes deles, suas razões para isso parecem ser cada vez mais pragmáticas.
É certo que os millennials postergaram o casamento por razões práticas, como o medo do divórcio (muitos deles cresceram como filhos de casais divorciados) e porque não conseguem sustentar-se.
Mas a geração Z está herdando um mundo considerado ainda mais incerto, à medida que os problemas que afetaram os millennials (como as mudanças climáticas) tornam-se mais sérios e novos problemas surgem (como a pandemia). Isso poderá fazer com que a promoção da estabilidade individual torne-se a prioridade número 1 para a geração Z – ainda mais importante que para seus colegas um pouco mais velhos.
“Nós brincamos sobre quem vai se casar primeiro [no] nosso grupo de amigos”, conta Lee, “e achamos engraçado alguém se casar na casa dos 20 anos.”