Menos faltas, otimização de tarefas e tempo livre para resolver questões pessoais. Essas são algumas das primeiras impressões nas empresas participantes de um experimento sobre a semana de 4 dias de trabalho no Brasil.
Foram três meses de preparação, de setembro a dezembro do ano passado, até que os trabalhadores começassem a atuar com a carga horária reduzida, mas ganhando o mesmo salário e com o objetivo de manter 100% da produtividade.
Trata-se do projeto piloto da “4 Day Week Brazil”, parceira no Brasil da “4 Day Week Global”, uma organização sem fins lucrativos que faz pesquisas sobre trabalho ao redor do mundo.
No Brasil, 22 empresas com até 250 colaboradores aderiram à iniciativa, que é paga (veja mais sobre as empresas participantes abaixo). Entre elas, está o Hospital Indianópolis, de São Paulo (SP).
Confira, a partir dos tópicos abaixo, as primeiras impressões de funcionários e gestores sobre o projeto:
Menos faltas
O Hospital Indianópolis ingressou no projeto com seus funcionários da área administrativa e decidiu começar a redução de jornada há mais de seis meses, bem antes das demais empresas do projeto. Por isso, o diretor Eduardo Hagiwara afirma já ter percebido algumas mudanças.
“As faltas e atrasos realmente melhoram bastante porque a pessoa consegue se organizar melhor. É claro que se ocorre um acidente, tudo bem, mas as ausências sem justificativa diminuíram”, afirma.
“Em todo dia de folga, eu faço alguma coisa particular. Vou ao banco, passo no médico, levo meu filho na escola, levo no parque para brincar, fico com ele mais tempo, faço minhas coisas de casa”, relata Antônia Pinheiro de Jesus, assistente administrativa do hospital.
Para Simone Cyrineu, diretora da produtora de vídeo Thanks for Sharing, outra empresa participante do projeto, a ideia é justamente essa: que o dia de folga seja usado para descanso, hobbies e projetos pessoais, mas também para resolver pendências pessoais.
“Tive um funcionário que a máquina de lavar quebrou e ele não tinha tido tempo de arrumar. Outra pessoa estava com um problema no banco para resolver presencialmente, mas o horário de trabalho não batia. Então, eles usaram a folga para isso”, relata.
Outra percepção da diretora é que os funcionários estão bastante engajados em manter a produtividade. “Até por causa da responsabilidade de fazer dar certo. Tem mais gente na fila contando que isso funcione, e isso é um motivador”, diz.
“Eu quero que continue, é ótimo. Eu me esforço bastante. Tudo o que me pedem, eu entrego na data e horário certinho”, comenta Antônia, do hospital.
Sextou mais cedo?
Como parte do experimento, as empresas puderam escolher se iriam conceder um dia de folga na semana ou reduzir a carga horária de 8 para 6 horas diárias. Todas escolheram o dia de folga, mas com algumas diferenças.
“A maioria escolheu a sexta, mas algumas empresas que vão se manter abertas colocaram uma ou duas pessoas para trabalhar na sexta, e aí essas pessoas tiram a segunda-feira de folga”, explica Renata Rivetti, responsável pelo projeto.
“E tem uma empresa de tecnologia que a pessoa escolhe o dia. Eles mesmos montaram um aplicativo para escolher, com algumas regras de que não pode ter duas pessoas da mesma área folgando no mesmo dia e outras questões. É a mais flexível de todas”, afirma.
No hospital, todo mundo folga na sexta. “Eu não quis diminuir as horas trabalhadas por dia porque as pessoas demoram no caminho para chegar ao trabalho, então decidimos internamente que seria melhor reduzir a quantidade de dias mesmo”, afirma Hagiwara.
Na produtora de vídeo, que atua com trabalho remoto, o dia de folga escolhido foi a quarta-feira, após uma votação entre os funcionários.
“Ajustamos os cronogramas para antecipar ou postergar as entregas. A gente até recebe demandas na quarta, mas os clientes estão cientes de que elas só vão ser resolvidas na quinta. É proibido olhar e-mail”, conta a diretora executiva, Simone Cyrineu.
No caso do hospital, se acontecem emergências, cabe à gerência do setor responder. “É o ônus e o bônus do cargo. Os gerentes não marcam ponto e precisam se virar para resolver o problema, mas geralmente fica tudo pronto até quinta-feira e não temos prejuízo”, conta o diretor.
Estratégias de produtividade
Ao longo do experimento, que tem seis meses pela frente, a organização vai monitorar os indicadores junto às empresas. Serão feitas pesquisas em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a Boston College, entre outras instituições.
Uma atitude importante na produtora de vídeos, segundo a diretora, foi olhar efetivamente para o que estava sendo feito todos os dias para diminuir os momentos em que se estava perdendo tempo, como em algumas reuniões, por exemplo.
“Criamos um bloco de agendas que serve para a empresa inteira, com suas variações para o time criativo e de gerência. Ali, a gente tudo o que precisa ser feito, inclusive o tempo de olhar e-mail. A gente padronizou a forma que todo mundo trabalha, então está todo mundo no mesmo ritmo. É um trabalho interessante de administrar”, diz.
“Eu tinha a impressão de que seria mais corrido, mas, na verdade, está sendo mais organizado”, relata a funcionária Beatriz Freire Abellan, do time de estratégia.
“Temos momentos dedicados ao trabalho focado, profundo, que é quando não temos distrações. A gente foca 100% no trabalho, sem responder whats, ver outras demandas. Então, eu não fico pingando de tarefa em tarefa, faço de maneira mais rápida.”
Na empresa Brasil dos Parafusos, em Porto Alegre (RS), automatizar alguns processos foi o que ajudou a manter o negócio em atividade de segunda a sexta-feira, mas com menos funcionários por dia.
“Fizeram uma pesquisa com os funcionários perguntando sobre quais tarefas poderiam automatizar. Implantamos alguns recursos e agora estão rodando. A gente teve que se adaptar. Tivemos medos, receios, mas vimos que é tranquilo”, relata a supervisora financeira Mariana Vargas.
“Agora, consigo fazer em 10 minutos o que antes eu levava 1 hora, coisas com padrões operacionais repetitivos. Então, trouxe mais conhecimento sobre tecnologia, inteligência artificial também”, diz.
Saúde mental em dia
Entre as expectativas das empresas listadas pelo projeto, além da melhora na qualidade de vida e produtividade, também estão reduzir o turnover (taxa de rotatividade de colaboradores) e atrair talentos.
Para Eduardo Hagiwara, do Hospital Indianópolis, a principal meta com o programa é melhorar a qualidade de vida dos funcionários, uma preocupação que se intensificou na área da saúde após a pandemia de coronavírus.
“A redução da jornada é uma ferramenta para isso, mas só ela não basta. Precisamos oferecer para os funcionários o que eles querem fazer com o tempo extra. É desenvolver voluntariado? Um hobby artístico? Se dedicar à atividade física? Então, individualmente, eu tento dar esse suporte a eles”, afirma.
Para Mariana, da empresa de parafusos, o dia livre tem sido uma oportunidade para aproveitar mais tempo com os filhos, de 3 e 12 anos.
“Acabo organizando minhas tarefas pessoais, exames médicos de rotina no dia de folga e tenho o final de semana realmente livre para curtir com a família.”
Na produtora de vídeos, a funcionária Beatriz diz que percebeu os colegas mais descansados após o início do projeto.
“E isso para a área criativa é muito importante. Não tem como forçar a criatividade. A cabeça precisa de um respiro”, afirma.
Desafios
Nem todas as empresas que participaram do projeto da “4 Day Week Global” pelo mundo decidiram manter a semana de 4 dias.
O dono da Allcap, uma fornecedora de suprimentos industriais que integrou o experimento no Reino Unido disse em entrevistas que os funcionários ficaram sobrecarregados e tiveram dificuldades para atender os clientes em todos os momentos.
Além disso, ele contou que passou a ter problemas para organizar as férias anuais dos colaboradores e quando alguém faltava por doença.
Na empresa de parafusos brasileira, um dos desafios iniciais foi definir o dia de folga dos funcionários.
“A gente queria sexta ou segunda, mas como a minha equipe é de quatro, reduziu pela metade e o trabalho ficou corrido. Então, tivemos que dividir as folgas na segunda, quarta e sexta”, conta Mariana.
Já na produtora de vídeo, Beatriz relata que ela e os colegas têm ficado ansiosos nos dia de descanso.
“Como se a gente tivesse que estar produzindo. Talvez demore um tempo a mais para entender que a gente precisa desse dia de fato”, diz.
Antes do início da redução de jornada, as empresas listaram como possíveis obstáculos da semana de 4 dias a manutenção da qualidade e entrega dos projetos a longo prazo, e da satisfação dos clientes.
Quem está participando?
São 22 empresas que têm entre cinco e 250 colaboradores. Algumas delas autorizaram a divulgação dos nomes:
- Hospital Indianópolis (saúde);
- Editora Mol, Smart Duo (especializada em projetos arquitetônicos);
- Thanks for Sharing (tecnologia especializada em conteúdo em vídeo e storytelling);
- Oxygen (hub de conteúdos em inovação);
- Haze Shift (consultoria de inovação e transformação digital);
- GR Assessoria Contábil (contabilidade);
- Alimentare (prestação de serviços em alimentação coletiva);
- Ab Aeterno (estúdio de produção editorial);
- Grupo Soma (eventos);
- Brasil dos Parafusos (atacado de materiais de construção);
- Innuvem Consultoria (tecnologia);
- Inspira Tecnologia (tecnologia);
- PN Comunicação Visual (design gráfico);
- Clementino & Teixeira (escritório jurídico);
- Plonge Consultoria (recursos humanos);
- Vockan (tecnologia).
As empresas estão localizadas em: São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Curitiba (PR), Porto Alegre (RS) e Campinas (SP).
Mais de 70% delas estão testando a semana de 4 dias com todos os funcionários, enquanto o restante decidiu selecionar apenas um departamento para iniciar o experimento.
Ao todo, o teste contempla 280 trabalhadores.
Fonte: g1/ML