Eles querem frear as alterações climáticas do planeta, e querem fazer isso pelo prato. Os climatarianos são a nova face do ativismo alimentar: aqueles que acreditam que o que comemos (ou não) é decisivo para mudar o mundo.
No caso deles, tentando reduzir ao máximo possível a pegada ambiental que a sociedade tem deixado no seu caminho nas últimas décadas.
Não são propriamente vegetarianos, ainda que preguem que devemos reduzir drasticamente o consumo de alimentos de origem animal — especialmente da carne de vaca, comprovadamente um dos animais que mais colaboram para o acirramento do efeito estufa, já que geram grande parte das emissões de gases que contribuem para o fenômeno.”Climatariana é uma dieta saudável, amigável ao clima e à natureza. Com uma mudança de dieta simples, é possível cada um economizar uma tonelada de CO2 por ano”, argumenta o site Climatarian.com, espécie de portal do movimento, que reúne os mandamentos da alimentação para diminuir os impactos dos recursos naturais do planeta.
Entre eles, estão optar por alimentos de procedência orgânica, comer apenas aquilo que é produzido com “fontes eficientes de energia” e eliminar totalmente animais “criados em fazendas intensivas”.
Por isso, muitos deles também declararam guerra aos alimentos importados, de abacates a trufas, por exemplo, que precisam percorrer longas distâncias para chegar ao nosso prato. Diminuir as distâncias de transportes dos nossos alimentos pode ajudar a abrandar as catástrofes climáticas, apontam os adeptos do movimento.
“Faz muito sentido que a bandeira desse grupo seja a comida. É impossível tratar da pegada ambiental sem falar da alimentação, já que a cadeia de alimentos é uma das maiores impactantes na questão do clima hoje”, opina Gustavo Guadagnini, do The Good Food Institute, que promove o consumo de alimentos à base de plantas em substituição aos de origem animal.
Principalmente na produção animal, segundo ele. “Há uma crescente pressão social que reforça essa ideia de que é impossível ingerir produtos de origem animal na mesma quantidade quando se sabe dos malefícios que a pecuária causa ao meio ambiente”, ressalta. A criação de animais usa mais de dois terços de todo nosso solo e é a maior fonte de poluição da água, de acordo com dados reunidos pela FAO (agência de alimentação e agricultura da ONU).
Uma questão ética
Foi ao ter mais informações sobre esse vínculo intrínseco entre a cadeia de alimentos e os danos ambientais que a padeira Liliana Trindade Guimarães percebeu que sua relação com a comida começou a mudar recentemente.
“Não tenho a ingenuidade de achar que o fato de eu deixar de consumir carne ou peixe nos fará salvar o planeta, mas eticamente já não consigo ingerir carne animal, por exemplo, sem saber de onde ela veio ou como ela foi criada”, diz.
O desperdício alimentar — um dos principais temas levantados pelos climatarianos — também é algo que passou a incomodá-la ainda mais. “Trabalhei em cozinhas e sei o quanto de comida acaba no lixo. Hoje, tenho sido muito mais atenta às quantidades que compro e consumo, fiquei mais chata com isso”, afirma.
É uma matemática simples: quanto menos se desperdiça de comida, menos alimentos precisam ser produzidos e menores os impactos ao planeta. Como ela, muita gente tem tentado adaptar a alimentação no dia-a-dia de olho na pressão que as escolhas erradas podem ter aos recursos do planeta.
Como no caso dos climatarianos, o ativismo alimentar não é algo novo: no decorrer das últimas décadas, grupos de pessoas acreditaram ser possível promover mudanças propositivas através da alimentação, fosse contra o crescimento dos alimentos ultraprocessados na nossa alimentação (como no caso do movimento Slow Food) fosse com um olhar para a agricultura familiares de pequenos produtores (como prevê uma prática chamada de locavorismo).
Novos tempos
O termo, em si, não é novo: em 2015 já havia aparecido no Eatymology: The Dictionary of Modern Gastronomy, uma espécie de dicionário alimentar criado por Josh Friedland, que defende que precisamos de “mais palavras para dar voz às nossas obsessões e ansiedades alimentares”. A palavra entrou no dicionário de Cambridge no ano seguinte.
Mas a dieta climatariana ganhou mais adeptos com a pandemia, que evidenciou que os impactos do que comemos (dos alimentos produzidos em monocultura aos animais silvestres dos mercados úmidos) são devastadores ao planeta.
E, de certo modo, irreversíveis: em agosto, o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC na sigla em inglês) apresentou um relatório que comprova a inequívoca influência humana no aquecimento da atmosfera, dos oceanos e dos continentes. E a agricultura e a pecuária estão entre as principais fontes de emissão de gases nocivos.
Para os climatarianos, o ato de comer tem um papel ainda mais importante nesse sentido porque diz respeito a bilhões de pessoas fazendo cerca de três refeições ao dia. Ou seja, ainda que os gases lançados pelos aviões, por exemplo, causem danos mais consideráveis ao efeito estufa, proporcionalmente comemos muito mais do que viajamos.
Consciência pela mesa
“A comida é um bom meio de nos tornarmos mais conscientes dos nossos impactos no mundo”, acredita Wagner Ramalho, criador do projeto Prato Verde Sustentável, que produz alimentos orgânicos para população periférica de baixa renda no Jardim Filhos da Terra, zona Norte de São Paulo.
Para ele, a proximidade com a nossa alimentação diária imposta pelos recentes meses de confinamento fez com que as pessoas desenvolvessem uma visão mais consciente do alimento (da programação das refeições diárias a otimização das listas de compras) e desenvolvendo mais consciência dos inconvenientes relacionados a ela.
“A pandemia ressaltou os desertos alimentares que temos nas periferias e muitos dos nossos problemas alimentares. Mas sobretudo mostrou que também nas camadas menos assistidas as pessoas querem uma alimentação que mate a fome, mas que também seja mais saudável, equilibrada e mais justa com o planeta”, afirma.
Com os custos mais altos dos alimentos graças a uma maior demanda global e a uma inflação crescente no Brasil, o projeto quer dar a oportunidade para mais pessoas em situação de vulnerabilidade poderem cultivar seu próprio alimento e incentivar que seja possível produzir e comprar de agricultura ecológica também nas periferias de cidades como São Paulo. O projeto produz mais de oito toneladas de alimentos ecológicos todos os anos.
“Plantar sua própria comida o torna mais ativo na cadeia de alimentos, claro. Mas comer mais conscientemente também, já que o que escolhemos consumir pode ter um papel muito importante nesse sentido”, diz.