Depois dos polos, este é o local mais seco do planeta. Além da escassez de água, o solo possui poucos nutrientes. A luz solar produz radiação extremamente elevada e grande parte de seu território está a mais de 2,5 mil metros acima do nível do mar.
Mesmo assim, dezenas de espécies de plantas, ervas e arbustos conseguem sobreviver nesta região hostil.
E como elas fazem isso? De acordo com especialistas, a resposta a essa pergunta é fundamental para encontrar soluções para os desafios que a humanidade já enfrenta.
A compreensão desses mecanismos de adaptação pode fornecer pistas valiosas para a produção de safras capazes de viver em áreas onde há escassez de alimentos para as pessoas. Ou em áreas que estão se tornando mais desérticas devido às mudanças climáticas.
Agora, um grupo de pesquisadores afirma ter encontrado uma série de estratégias genéticas que explicam a resistência e adaptabilidade das plantas do Atacama.
Em que consiste essa descoberta, cujos autores comparam com a descoberta de uma mina de ouro?
Genética e evolução
Durante dez anos, uma equipe de botânicos, microbiologistas, ecologistas e especialistas em genômica e evolução analisou o clima, a temperatura, o solo e a vegetação em 22 zonas de diferentes altitudes dentro do Atacama.
Em seguida, eles colheram amostras do solo e de 32 espécies de plantas para analisar suas sequências genéticas em laboratório.
Segundo Rodrigo Gutiérrez, coautor da pesquisa e professor do Departamento de Genética Molecular e Microbiologia da Pontifícia Universidade Católica do Chile, a maioria dessas plantas nunca havia sido estudada.
Como parte da análise, Gutiérrez e sua equipe compararam o genoma de 32 espécies do Atacama com outras 32 espécies geneticamente semelhantes, mas que não haviam passado pelo processo de adaptação no deserto.
O objetivo era reconstruir a história evolutiva das plantas do Atacama para identificar as mudanças genéticas que permitiram sua adaptação a condições extremas.
Mutações e bactérias
O estudo rendeu dois grandes resultados.
O primeiro foi que eles identificaram mutações em 265 genes presentes em várias plantas do Atacama.
Segundo os pesquisadores, essas mutações podem ser resultado de processos evolutivos que facilitam a adaptação das plantas às condições desérticas.
Entre esses genes, por exemplo, eles encontraram alguns que estão relacionados à reação à luz solar e à fotossíntese, e que ajudam as plantas a resistir à radiação extrema do Atacama.
Eles também descobriram genes relacionados à resposta das plantas ao estresse e ao sal, bem como outros envolvidos em processos de desintoxicação.
Esses genes, segundo os autores, podem estar associados à adaptação das plantas às condições hostis e pobres em nutrientes dessa região.
A segunda descoberta foi perceber que algumas espécies de plantas desenvolvem bactérias no solo ao redor de suas raízes.
Essas bactérias otimizam a absorção de nitrogênio, um nutriente fundamental para o crescimento das plantas, que é escasso no Atacama.
Algumas plantas do Atacama estão intimamente relacionadas a tipos de culturas essenciais, como grãos, legumes e batatas.
Por isso, Gutiérrez descreve sua descoberta como uma “mina de ouro genética” que pode ser usada para desenvolver lavouras mais resistentes em áreas afetadas pelo aumento da desertificação.
“Nosso estudo é relevante para regiões que estão se tornando cada vez mais áridas, com fatores como as secas, temperaturas extremas e a presença do sal na água e no solo, que representam uma ameaça significativa à produção global de alimentos”, diz o pesquisador.
Por sua vez, Gloria Coruzzi, pesquisadora do Center for Genomics and Biological Systems da New York University e coautora do estudo, acredita que, “em uma era de mudanças climáticas aceleradas, é fundamental descobrir as bases genéticas para melhorar a produção de safras e a resiliência sob condições secas e pobres em nutrientes”.
A BBC Mundo consultou Elizabeth Weretilnyk, professora da McMaster University, no Canadá, e especialista em adaptação de plantas a ecossistemas adversos, que não participou da pesquisa.
Weretilnyk também espera que este estudo inspire mais pesquisas em busca de “um futuro com maior segurança alimentar”