Após milhões de anos de evolução, nosso cérebro herdou uma forte capacidade de reagir quando avistamos animais.
Cientistas ligados à Universidade de Cambridge, na Inglaterra, estão usando este instinto para ajudar a detectar sinais de uma síndrome que é um desafio para famílias e para sistemas de saúde ao redor do mundo: a demência.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que ela já atinge 55 milhões de pessoas no planeta mundo e deve chegar a 139 milhões em 2050.
A demência é caracterizada pela deterioração de funções cognitivas, como a memória e o aprendizado. A doença de Alzheimer é sua forma mais comum e está por trás de 60 a 70% dos casos.
Nascida do encontro de pesquisadores em Cambridge, a empresa Cognetivity Neurosciences desenvolveu um teste digital com duração de cinco minutos baseado em inteligência artificial que detecta sinais do declínio cognitivo a partir de imagens de animais mostradas em um tablet.
Algumas fotos são menos óbvias do que outras, e o usuário deve confirmar rapidamente se é um animal ou não. Depois, o aplicativo mostra uma pontuação, que pode ser um alerta do declínio cognitivo.
Os fundadores da Cognetivity, Sina Habibi e Seyed-Mahdi Khaligh-Razavi, contam no site da empresa que estavam lidando com casos de demência na família quando passaram a buscar soluções para a condição após perceberem que seus parentes “foram diagnosticados tarde demais para conter as consequências devastadoras da doença”.
Entretanto, o teste não faz um diagnóstico — ele tem a função de rastreamento, ou seja, dá indícios de um possível problema, que deve ser então investigado por um especialista.
A Cognetivity obteve permissão da agência sanitária dos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA), para comercializar o teste. Também há uma permissão do tipo no Reino Unido.
A empresa diz a investidores que seu valor de valor de mercado pode chegar a US$ 11,4 bilhões até 2026.
Em entrevista à BBC News Brasil, Sina Habibi afirmou que a empresa está “ativamente procurando parcerias” para entrar no mercado brasileiro.
Também defendeu que seu teste, chamado de Integrated Cognitive Assessment (ICA), tem potencial “global” por ser independente de idiomas e da educação que uma pessoa recebe.
Habibi disse que, além do uso supervisionado por médicos, o teste, normalmente vendido como um plano de assinatura, também pode ser usado por pessoas comuns.
“O ICA certamente pode ser usado para rastrear o comprometimento em pessoas que têm alguma preocupação sobre sua cognição. Precisamos incentivar o monitoramento de pessoas com fatores de risco (como casos na família), e o teste pode ser uma ferramenta valiosa para esse fim”, disse Habibi, engenheiro e doutor em nanotecnologia pela Universidade de Cambrige.
Estudos publicados desde 2013
Os desenvolvedores do ICA defendem que seu teste se diferencia de outros usados atualmente para rastrear sinais de demência, normalmente feitos com papel e caneta e com uma supervisão muito próxima.
Os testes atuais pedem que a pessoa testada faça atividades como desenhar, dar nomes a objetos ilustrados e decifrar códigos formados por desenhos e números.
Os criadores do ICA dizem que ele é diferente por ser digital e exigir pouco acompanhamento e por ser baseado em imagens, o que contorna as barreiras linguísticas ou de diferentes níveis educacionais.
Desde 2013, os pesquisadores envolvidos no projeto têm publicado estudos sobre o método desenvolvido e seus resultados em revistas científicas como a Scientific Reports e a BMC Neurology Journal.
No estudo mais recente, publicado em julho deste ano na Frontiers in Psychiatry, eles testaram a validade do teste com 230 pessoas — 95 delas consideradas saudáveis e 135 que tinham Alzheimer ou declínio cognitivo suave.