O verão é sempre uma das estações mais aguardadas do ano — uma época reservada para férias, passeios e praia.
Mas até agora o verão desta temporada — que começou oficialmente no dia 21 de dezembro — tem deixado marcas pesadas em diversos lugares do país, de Norte a Sul.
Na última semana, ao menos 34 pessoas morreram por decorrência de chuvas fortes que caíram em São Paulo, sendo 18 delas no município de Franco da Rocha. No começo do verão, no final de dezembro do ano passado, mais de 20 pessoas morreram e quase um milhão ficaram desabrigadas devido a chuvas que atingiram o Sul da Bahia. Algo semelhante se repetiu em Minas Gerais dias depois, onde mais de 20 pessoas morreram e mais de 340 municípios entraram em estado de emergência.
Tanto a Bahia quanto Minas Gerais registraram de 500 a 700 milímetros de chuvas em apenas poucos dias — esse volume normalmente ocorre em uma estação inteira.
Em outros Estados, o problema foi o calor extremo. No Rio Grande do Sul, alguns municípios no Oeste registraram temperaturas de até 41,7 graus em janeiro — o maior calor medido na história da região.Em São Luiz Gonzaga (RS), na região das Missões, a temperatura ultrapassou 42 graus — a média do verão no municípios ali de é de máxima de 27 graus.
Ondas de calor e chuvas extremas foram registrados em diversos Estados brasileiros desde dezembro, como São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Paraná — e também em países vizinhos como Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia.
Isso é normal?
Os extremos do verão de 2022 chamam atenção dos meteorologistas, que acompanham de perto as viradas do clima.
“Os verões estão ficando mais irregulares e extremos”, disse José Marengo, diretor do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), à BBC News Brasil.
Picos de calor, chuvas fortes e estiagens prolongadas são comuns em diversos verões brasileiros, como já aconteceu, por exemplo, em 2005 e 2015.
Tanto naquelas ocasiões como agora em 2022 os extremos são provocados pelo mesmo fator: a ocorrência do La Niña, um fenômeno atmosférico complexo, em que as temperaturas das águas na superfície do Oceano Pacífico sofrem um resfriamento.
Esse fenômeno tem implicações do clima do planeta inteiro, em efeito cascata. Na América do Sul e no Brasil, o La Niña afeta os corredores de umidade da Amazônia, às vezes chamados de “rios voadores”.
A umidade que sai da Amazônia é responsável por chuvas em boa parte do continente e o La Niña antecipa a chegada de chuvas nas regiões Norte, Nordeste e Sudeste.
Com isso, o corredor de umidade da Amazônia acaba não chegando à região Sul do país. Ou seja — há chuvas demais no Sudeste do Brasil e isso faz com que falte chuva na região Sul, onde o clima fica seco.
Uma das consequências disso é que se forma uma espécie de “bolha seca” na região Sul do Brasil (e também na Argentina e Paraguai), e os corredores de umidade acabam não conseguindo penetrar essa bolha seca. Dentro dessa bolha, o solo vai ficando mais quente, o que colabora para aumentar ainda mais a temperatura. Por isso, muitos municípios estão registrando calor recorde.
O que complica tudo ainda mais neste ano é que o La Niña está acontecendo pela segunda vez consecutiva.
Entre setembro de 2020 e maio de 2021, houve um La Niña que provocou fortes chuvas no Brasil, combinado com calor recorde e estiagem. Em outubro de 2021, dois meses antes do verão no Hemisfério Sul, o La Niña voltou a acontecer.
“É o segundo ano consecutivo do La Niña e isso tem efeitos sobre o clima no país”, explica Estael Sias, meteorologista da Metsul. “Na estiagem anterior, o nível dos rios havia caído muito e já estávamos enfrentando uma crise hídrica e energética. A chegada de um novo La Niña não deu tempo para os rios se recuperarem. A chuva de inverno não foi suficiente. O solo também não se recuperou da seca e estamos enfrentando um segundo ano consecutivo de estiagem severa.”
No final de janeiro, pela primeira vez uma frente fria conseguiu “furar” a bolha seca sobre a Região Sul, o que explicou as chuvas fortes que caíram em poucos dias, alagando cidades. Ainda assim, o volume de águas não foi suficiente para acabar com a estiagem na região Sul.
Mudanças climáticas?
Meteorologistas descartam um terceiro La Niña seguido para este ano. Com isso, a previsão é de que a partir de abril ou maio, no outono brasileiro, a temperatura volte para um patamar normal — ou seja, mais perto das médias históricas de chuvas e temperaturas.
No entanto, uma coisa chama atenção dos meteorologistas: o fato de que os fenômenos climáticos estão ficando cada vez mais extremos.
Para Marengo, da Cemaden, a explicação é o aquecimento global, ou seja, as mudanças climáticas causadas pela atividade humana.
“É o aquecimento global que torna o clima muito mais variável. As projeções mostram grandes áreas do mundo com aumento na frequência do calor. Existe um aumento de eventos de chuvas extremas, em que o volume de um mês inteiro cai em apenas um ou dois dias”, diz Marengo.
Para ele, os extremos observados no Brasil se repetem em outras áreas do planeta, como América do Norte, Europa e Austrália, onde ondas de calor provocaram incêndios florestais de grandes proporções.
As consequências econômicas desses extremos são grandes.
No Mato Grosso do Sul, mais de 5 mil frangos morreram de calor em granjas nas cidades de Dourados e Fátima do Sul, devido à falta de energia provocada pelos extremos de temperatura. Cidades que viveram ondas de calor, como Porto Alegre, sofreram com desabastecimento de água, sobretudo na periferia, devido a picos de consumo.
Já as chuvas fortes causam destruição e morte, como em Franco da Rocha, onde muitas casas construídas em encostas desabaram após deslizamentos.
Outro problema é que quando as chuvas caem, elas nem sempre são boas o suficiente para trazer benefícios econômicos. Marengo diz, por exemplo, que mesmo com o enorme volume de chuvas no Sudeste, algumas zonas críticas para o abastecimento de água e energia — como a região da Cantareira em São Paulo — não recebem volumes suficientes.
Ou seja: as chuvas provocam alagamentos e destruição, mas não recompõem as bacias vitais para a população.
Para Marengo, além de ação global pelo clima — com redução de emissões e desmatamento para controlar o aquecimento global — governos precisam investir em medidas de adaptação, como proibir construções em zonas de risco e investir em infraestrutura para lidar com fenômenos extremos.
“Esse tipo de planejamento precisava já ter sido feito”, diz Marengo.