A distância de mais de 19 horas, ou 11,3 mil quilômetros, que separa Kafr Malik de Corumbá não ameniza a apreensão e o temor da guerra que está em curso no Oriente Médio, envolvendo palestinos nativos e o Estado de Israel. A localidade fica a cerca de 56 km de Jerusalém, ao norte, e a cerca de 100 km da Faixa de Gaza.
É lá que a maioria dos descendentes de palestinos que moram em Corumbá tem familiares e ainda mantém laços próximos. A capital do Pantanal tem uma das maiores comunidades palestinas do Centro-Oeste, com cerca de 420 pessoas.
Desde sábado, com o início dos bombardeios, mais de uma centena de moradores de Corumbá com ligação direta com a região de conflito passou a acompanhar 24 horas por dia as notícias sobre a situação.
O canal Al Jazeera, em árabe, permanece ligado o tempo todo e detalha com diferentes informações onde estão ocorrendo bombardeios e como está a situação em cidades na Faixa de Gaza e em outras áreas que são atualmente território de Israel.
Não é só a TV com transmissão em árabe que serve para detalhar o cenário do conflito. Por aplicativo de mensagem no celular, a comunidade árabe palestina mantém conversas constantes para troca de detalhes.
Os descendentes estão reunidos por meio da Sociedade Árabe Palestina Brasileira em Corumbá, entidade legalmente constituída e que tem representatividade direta com a Embaixada do Estado da Palestina, em Brasília, bem como com a Federação Árabe Palestina do Brasil.
Munther Safa é o presidente dessa entidade e o responsável por fazer a comunicação oficial. Ele conversou com o Correio do Estado depois de consultar demais descendentes que vivem em Corumbá para verificar se deveria se pronunciar neste momento de tensão extrema e também informar à comunidade sobre o interesse da imprensa na divulgação.
Conforme Munther, os conflitos que existem no território palestino não são recentes, mas costumam ser apresentados majoritariamente sob a ótica do Estado de Israel, causando uma “miopia” em torno da tragédia vivida pelas pessoas que vivem no território, bem como dos descendentes que ainda mantêm laços.
Ele reforçou que o lado palestino acaba sendo reduzido.
Nesse contexto, Munther explicou que a guerra atual, que já matou oficialmente mais de mil palestinos e 1,2 mil israelenses, durante quatro dias de confronto, é resultado de uma sucessão de crimes e direitos infringidos que vêm ocorrendo no território, principalmente desde 1948, quando houve a criação do Estado de Israel e o fatiamento da Palestina em vários territórios.
“Neste ano, os colonos judeus, junto dos militares israelenses, mataram mais de 263 palestinos, entre homens, mulheres e crianças. Isso ocorre em todo o território palestino. Vivemos hoje assassinatos, expulsões, processos de refúgio de palestinos por sionistas [movimento político iniciado no final do século 19, por meio de comunidade judaica europeia, defendendo a existência de um estado judeu independente]”, detalhou.
“No dia 7 de outubro, houve uma resposta, é um ponto de defesa. Os palestinos estavam na própria terra e fomos tirados, tomaram tudo o que temos. Tiraram água, luz, riquezas, o direito de ir e vir, aeroportos. Muitas terras foram confiscadas. É como pegar um balão, começar a inflar até ele explodir. O povo palestino chegou a esse ponto”, disse.
Conforme o presidente da Sociedade Árabe Palestina Brasileira em Corumbá, não há confirmação de que familiares diretos de descendentes que vivem na cidade sul-mato-grossense foram mortos na atual guerra.
Porém, ele relatou que agressões são práticas rotineiras e que os parentes de alguns moradores de Corumbá sofrem. Também pontuou que a causa da Palestina sobre voltar a ter o direito ao território que existia antes de 1948 é um tema que mobiliza descendentes de forma geral.
“Nossa comunidade de descendentes de palestinos tem em torno de 420 pessoas em Corumbá. Todos nós aqui temos parentes lá, temos casa ainda lá, temos aquelas oliveiras de 500 anos ou mais. Qualquer conflito, ainda mais como esse, a gente sente muita preocupação. Quem realmente está precisando de ajuda são os palestinos. São eles que sofrem cortes de ajuda humanitária. Você imagina como é viver com bombardeios regulares?”, disse.
Ele ainda descreveu como é para os descendentes o entendimento sobre o que é a Faixa de Gaza, atualmente sob ataque e com sinais de energia e água cortados desde segunda-feira pelas autoridades israelenses.
“Quando a gente fala de Faixa de Gaza, é como falar de um território que é uma prisão a céu aberto. Não tem saída pela terra, pela água e pelo ar. Tudo está controlado pelos ocupantes israelenses. Não há nenhum tipo de liberdade. E agora tivemos a declaração de Israel de que vai tratar essa área e as pessoas de lá, não vai ter água, luz, não vai ter nada. O grande erro que houve foi a criação de um território israelense dentro de onde era a Palestina”, afirma.
Sobre o Hamas, que seria uma espécie de partido que hoje está à frente dos ataques contra o Estado de Israel, Munther indicou que ele não é totalmente favorável ao método praticado.
Mas acredita que, diante das tensões da região, não existe condição de palestinos não revidarem. “O que está ocorrendo hoje é uma defesa do que vem sendo praticado com os palestinos”.
A última vez que Israel invadiu a Faixa de Gaza foi em 2014 e houve uma guerra que durou 50 dias. Nesse território, vivem 2 milhões de pessoas, em uma área de 365 km², onde não há espaço para abrigo. Há 100 mil soldados posicionados na região.
“O próximo passo é avançar, começar a ofensiva e atacar o grupo terrorista Hamas”, anunciou o general Dan Goldfus, da 98ª Divisão, a infantaria do Exército israelense, em coletiva a jornalistas, na terça-feira.
Fonte: Correio do Estado