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Com preço recorde, consumo de carne é o menor em 16 anos

Por Redação

Em 15 de dezembro de 2021

Consumo de carne por habitante estimado para 2021 é o menor desde 2005. Foto: EPA

A mistura de inflação alta com aumento da pobreza vem tirando a carne bovina do cardápio de um número cada vez maior de famílias no Brasil.

O consumo vem caindo há três anos consecutivos no país. Em 2020, recuou expressivos 10% em relação ao anterior. Para 2021, a estimativa é de queda de 2%, um consumo de 5,24 milhões de toneladas de carne bovina, o menor valor em 12 anos.

Quando se considera o consumo por pessoa, o resultado é ainda mais modesto: 24,5 kg por ano, número próximo do registrado em 2005, 16 anos atrás.

A estimativa foi calculada pelo especialista da Consultoria Agro do Itaú BBA Cesar de Castro Alves a pedido da BBC News Brasil e se baseia no chamado consumo aparente, ou seja, a produção de carne bovina inspecionada, descontadas as exportações e somadas as importações.

Os dados usados por Castro Alves consideram uma expectativa de produção de carne bovina de 7,4 milhões de toneladas em equivalente carcaça (TECs), de exportações de 2,26 milhões de TECs e de importações de 73 mil TECs.

Preços maiores e renda menor

Os dois lados da equação do consumo – o preço dos produtos e a renda das famílias – se deterioraram em 2021.

Do lado dos preços, as carnes assistiram a um aumento forte, especialmente no primeiro semestre. Em junho, considerando o acumulado em 12 meses, o brasileiro pagava quase 40% mais (38,17%) pelo produto do que um ano antes.

Os preços começaram a ceder em setembro, mas continuam em patamar elevado: nos 12 meses encerrados em novembro, a inflação das carnes estava em 10,81%, superior ao índice calculado para todo o grupo alimentos e bebidas, de 8,9%.

Mesmo com a redução em alguns supermercados, o produto continua inacessível para muitas famílias, especialmente se considerado que a renda dos brasileiros vem encolhendo.

Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua mostram que a renda média real (ou seja, descontada a inflação) de quem está empregado vem diminuindo consecutivamente há 12 meses, desde outubro de 2020.

Esse desempenho está intimamente relacionado ao fenômeno da redução do desemprego, que vem sendo observado desde maio deste ano: as vagas geradas pela economia brasileira são mais precárias e pagam baixos salários, o que explica a redução da renda média por trabalhador.

A taxa de desemprego, apesar de estar recuando, se mantém em patamar bastante elevado – 12,6% da força de trabalho no terceiro trimestre de 2021, ou 13,5 milhões de desempregados.

Por que a carne ficou tão cara

Pelo menos quatro fatores explicam porque o preço das carnes subiu tanto em 2021: o dólar alto, a seca que afetou especialmente a região Centro-Sul do país, o aumento dos preços do milho e da soja e uma menor disponibilidade de bois (neste caso, uma questão estrutural ligada à bovinocultura).

O aumento do dólar e a seca ajudam a explicar a alta expressiva na cotação de commodities como o milho e a soja. Como estas são matérias-primas para a produção de ração para bovinos, aves e suínos, alimentar os animais ficou mais caro.

No caso dos bovinos, a seca afetou ainda os custos de produção em outra frente: à medida que reduziu as áreas de pasto, obrigou muitos produtores a confinar o gado, elevando ainda mais as despesas com ração.

Toda essa questão conjuntural se deu em um momento em que o preço da carne já estava pressionado por uma questão estrutural do setor. Há meses o preço do boi vinha batendo recordes porque há uma menor disponibilidade de animais para o abate — reflexo do próprio ciclo da bovinocultura, que compreende os períodos de reprodução e reposição dos animais.

Isso porque a cadeia de produção de carne bovina tem uma série de particularidades. Não é possível aumentar e diminuir a quantidade de bois no pasto tempestivamente, a depender do nível de demanda.

O tempo de gestação das vacas é de cerca de 9 meses. O período para que um bezerro se torne um animal pronto para o abate, por sua vez, gira em torno de dois anos. Tudo isso faz com que o ciclo seja mais longo que o de outras proteínas e dure cerca de 6 ou 7 anos.

Quando o preço do boi está elevado, como atualmente, a tendência é que os pecuaristas mandem as fêmeas (chamadas no setor de “matrizes”) para o abate. Aos poucos, a oferta de animais aumenta e o preço do boi tende a reduzir.

Um volume menor de fêmeas, contudo, significa uma menor produção de bezerros (chamados no setor de “animais de reposição”). E é por isso que, no momento seguinte do ciclo, a tendência é de elevação nos preços dos bezerros.

Essa alta, por sua vez, estimula a retenção de fêmeas, de forma que os preços dos bezerros tendem aos poucos a recuar. Com menos fêmeas disponíveis para o abate, é o preço do boi que começa a subir, e o ciclo tem início outra vez.

Assim, o ciclo que começou em 2018, quando a indústria começava a se recuperar dos impactos da Operação Carne Fraca, deve se estender até 2023 ou 2024, como ilustrou em entrevista à BBC News Brasil o pesquisador de pecuária do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP, Thiago Bernardino de Carvalho.

“O ciclo do frango, por exemplo, tem 60 dias — é muito menor.”

O embargo da China

Nem o embargo imposto pela China desde setembro, que derrubou as exportações da carne brasileira, foi capaz de reduzir os preços de forma substancial.

O país asiático declarou embargo às exportações brasileiras após a identificação de dois casos de vaca louca em frigoríficos em Minas Gerais e Mato Grosso. Apesar de a Organização Mundial de Saúde Animal afirmar que os casos eram atípicos e espontâneos e que, portanto, não apresentavam risco para a cadeia produtiva, o embargo segue mantido.

A suspensão das compras pela China provocou queda forte no preço do boi em outubro, mas essa queda praticamente não chegou ao bolso dos consumidores – ou seja, à carne industrializada.

Entre as explicações apontadas por Carvalho estão, por exemplo, a autorização dada em outubro pelo Ministério da Agricultura para o armazenamento por até 60 dias em contêineres (e não apenas em câmaras frias, como coloca a legislação sanitária atual) do que foi produzido antes do bloqueio, em 4 de setembro.

Assim, a indústria pode manter o produto estocado e não precisou necessariamente disponibilizar o excedente para o mercado interno. Essa dinâmica ajudou a segurar os preços elevados no mercado doméstico.

No fim de novembro, a China deu o primeiro sinal de flexibilização e permitiu a exportação da carne certificada pelo menos até o dia anterior ao embargo (3 de setembro), que foi, então, embarcada para a Ásia. De lá para cá, a indústria vem reequilibrando seus estoques, enquanto o bloqueio segue mantido.

Outro fator colocado pelo pesquisador está no último elo da cadeia, o varejo. Em sua avaliação, os açougues e supermercados aproveitaram para comprar carne mais barata em outubro para estocar para as festas — e o processo de estocagem, que envolve refrigeração, é custoso, ele pontua.

“O consumidor, se puder, não vai abrir mão da carne, do churrasco no fim do ano. Ele vai cortar outros produtos antes, e o supermercado sabe disso.”

Há ainda a possibilidade de o varejo ter aproveitado parte da redução de preços pelos fornecedores para aumentar suas margens de lucro.

Essa foi a hipótese levantada em uma nota dura divulgada no fim de outubro pelo Sindicato das Indústrias de Frigoríficos de Mato Grosso (Sindifrigo-MT), que chamava de “distorção” a diferença de preços entre atacado e varejo e afirmava que ela mostrava “a ganância de um elo que não quer fazer parte de uma corrente da cadeia”.

“Os balcões dos açougues e supermercados precisam se engajar na cadeia e não se apresentarem como inimigos”, concluía o comunicado.

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Crédito: Coxim Agora.