O sociólogo carioca Ricardo Martins, 36, está viajando o mundo de bicicleta desde 2007. Cansado da vida de escritório e uma rotina tradicional, ele largou o emprego e embarcou para América do Sul com apenas R$ 385.
Nesta primeira etapa, que ganhou o apelido de “Roda América”, ele ficou fora de casa por quatro anos.
Na época, sua companheira era uma bike tradicional de alumínio chamada Capitu, que foi roubada no Rio de Janeiro pouco tempo depois de ele retornar ao Brasil.
“Foi bem traumático. Eu brinco que foi igual quando o Tom Hanks perdeu o Wilson em Náufrago”, conta ele à BBC.
De volta ao país, ele tentou retomar uma vida “normal” e começou a cursar sociologia. Porém, não se encaixava mais nos padrões tradicionais de uma empresa ou vida, como ele mesmo define.
Como sempre curtiu experiências diferentes, pensou que poderia voltar às viagens ao lado de outra “magrela”, só que dessa vez ela seria feita de bambu.
Ele descobriu o meio de transporte depois de ver um homem andando na rua e teve a curiosidade em perguntar como a bicicleta funcionava.
“Ele construía esses tipos de bicicleta e ainda as fazia sob medida. Dá para deixar o bambu mais claro, mais escuro e do jeito que você quer. Mede sua perna e tudo. Encaixa como uma aliança”.
Ao ficar pronta, ela foi batizada como Dulcineia.
Em 2016, depois de receber a bike, seguiu para mais uma viagem de um ano e meio pelo continente africano, começando na Cidade do Cabo, África do Sul, e terminando em Alexandria, no Egito.
Ao todo, somando as duas jornadas, ele já pedalou mais de 50 mil quilômetros. “Ela se mostrou resistente e sempre a levei em extremos muito fortes. Ela absorve o impacto”, diz.
Início da jornada pelas Américas
Mesmo exigindo muito esforço ao pedalar, o carioca já tinha familiaridade com ciclismo, pois se locomovia de bicicleta diariamente ao trabalho.
Quando decidiu deixar o Brasil, Ricardo nunca havia saído de bicicleta da cidade do Rio de Janeiro.
Como já tinha conquistado sua primeira meta de vida, que era proporcionar mais conforto à família, ele decidiu viajar de bike pelo continente, justamente por ser algo desafiador.
Sua bicicleta funciona quase como uma casa, onde ele armazena barraca, fogareiro e saco de dormir.
Ao decidir ir para América do Sul, ele saiu do bairro da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro, seguiu até o Mato Grosso do Sul e chegou à Bolívia.
Para sua surpresa, ao chegar no país vizinho, ele foi roubado. “Naquela época eu não colocava dinheiro no banco e não era fácil como hoje. Perdi quase tudo e fiquei com sete dólares”, relembra.
Como tinha que se virar e recuperar o dinheiro para seguir com a viagem, ele começou a prestar consultoria de marketing e outros serviços para o Ministério do Turismo de La Paz. A partir daí, se estruturou financeiramente.
Ainda na Bolívia, o viajante se contaminou com salmonella (infecção por bactéria) duas vezes e também foi diagnosticado com febre tifoide. “Não podia tomar remédio nenhum por causa da hepatite no sangue e fígado. Fiquei no soro por duas semanas. Quase morri”, diz.
Durante os quatros anos em que esteve na América do Sul, Ricardo teve muitos imprevistos. Enquanto estava na Argentina, se apaixonou por uma mulher e quis ficar mais no país. No entanto, acabou quebrando o joelho lutando taekwondo. Para se recuperar, precisou fazer três cirurgias. Mesmo diante dessas adversidades, ele conta que se a viagem não tivesse sido dessa forma, não teria muito encanto.
Na estrada, ele conta que passou a acreditar mais na raça humana e que é possível encontrar pessoas sem interesse. “A hospitalidade sempre existe”, conta.
E mesmo sendo no mesmo continente, o sociólogo afirma que há muitas diferenças entre os países. “Quando você muda de continente, tudo muda. A Bolívia foi o lugar mais diferente que eu tive oportunidade de conhecer. Tem uma identidade nacional muito forte. Tem montanha, povos andinos, cidades incríveis e uma história latinoamericana fantástica.”