![](https://coximagora.com.br/wp-content/uploads/2022/08/cats-85-750x375.jpg)
“Faz mais de um ano que a gente não consegue ir ao mercado fazer uma compra de R$ 300. A única coisa que a gente ainda compra é o café.”
É o que conta a pensionista Ana Maria Maia. A despensa dela e do marido Raimundo está quase vazia: tem apenas os últimos remanescentes de uma cesta básica que eles ganharam da igreja no início do mês.
Quando a reportagem visitou a casa deles, no Jardim Inamar, em Diadema (SP), no dia 18 de agosto, fazia 20 dias que o casal havia recebido a pensão, no valor de 1 salário-mínimo. Quando esse dinheiro entra, eles conseguem pagar o aluguel de R$ 800, as contas e quase não sobra para comer. A ‘solução’ é se virar, pular refeições e batalhar para fazer uma graninha na rua.
Na quarta-feira (24), dados do IBGE mostraram em números essa realidade. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) – considerado a prévia da inflação oficial do país, caiu 0,73%. Mas o preço dos alimentos subiu. Aliás, foi o que mais subiu no período.
O que ajuda a trazer dinheiro pra casa é a cantoria do Rai. Músico, cantor e compositor, ele canta de domingo a domingo nas ruas de São Bernardo do Campo.
“A gente já conseguiu tirar R$ 300 num dia. Mas essa semana mesmo a gente fez só R$ 7. Não é porque as pessoas não querem ajudar, é que elas não têm mais condição mesmo”, conta Rai, que é deficiente visual.
Em outra comunidade de Diadema, Jardim União, mora dona Miriam, que também foi visitada pela reportagem. Ela está desempregada há mais de 10 anos porque ficou com uma série problemas no pulmão, na pele e na coluna quando trabalhava fazendo a limpeza de um hospital. Quando acorda sem dor, ela vai pra rua fazer reciclagem com o marido.
O marido vive de bicos. Ela diz que ele já espalhou currículo em todos os comércios da região, mas nada aparece. Neste mês, conseguiu um serviço de pintor em uma obra em São Paulo e sai cedinho todos os dias para voltar no fim da noite.
Na geladeira e no armário de Miriam havia poucas coisas que ela recebeu de doações: alguns pedaços de frango cedidos pela vizinha, 3 pacotes de massa pronta que o filho ganhou na reciclagem, um ovo, arroz e feijão.
Famílias não conseguem fazer todas as refeições
Ana, Raimundo e Miriam fazem parte das famílias que foram entrevistadas para a pesquisa “Vulnerabilidades e reinvenções na pandemia de Covid-19”, realizada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). E também dos 61,3 milhões (três em cada dez) brasileiros que passam por insegurança alimentar, segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgado em julho.
Os dados colhidos pela Unifesp mostram que 47 famílias conseguiram fazer só duas refeições por dia. E outras 10 tiveram comida suficiente para apenas uma refeição. A coordenadora da pesquisa no Campus Diadema, Claudia Fegadolli, conta os casos mais extremos observados durante as entrevistas.
“Em Osasco, vimos uma família vendendo tudo o que tinha para comprar alimento. Estavam a mãe e a filha conversando com a gente. Quando a filha saiu, a mãe disse: ‘ela não sabe, mas várias vezes eu falo que não estou com fome pra ela comer o que tem’. Em Diadema, temos muitas famílias que não podem comprar nada, vivem apenas de doação”, conta.