
A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) vai proibir a mineradora LHG Mining, do grupo J&F, de Joesley e Wesley Batista, que explora jazidas de alto teor de ferro e de manganês em Corumbá, de participar da primeira rodada do leilão da hidrovia do Rio Paraguai, previsto para o fim do ano.
O objetivo é evitar a concentração, as práticas anticoncorrenciais e a manipulação de mercado, já que atualmente a empresa é a maior usuária do serviço, sendo a responsável por quase a totalidade dos 3,82 milhões de toneladas desses minerais embarcados no primeiro semestre deste ano, que representam 84,9% de todo o transporte de cargas pelo rio.
A decisão segue a política da autarquia para evitar a concentração de mercado e promover maior concorrência, postura já adotada no leilão em andamento do STS-10, no Porto de Santos, que teve contestação judicial por impedir empresas que já operam no terminal de participarem da primeira etapa do certame.
No caso do Tramo Sul do Rio Paraguai, que vai de Corumbá até a Foz do Rio Apa, em Porto Murtinho, com 590 quilômetros, e mais 10 km do Canal do Tamengo, em Corumbá, a proibição para a mineradora foi definida no dia 25 do mês passado, pela diretoria colegiada da Antaq, que aprovou um acórdão com 10 determinações de ajustes a serem feitos nas minutas do edital e do contrato de concessão, após a apresentação do relatório do diretor Alber Vasconcelos, sobre o Plano de Outorga Específica (POE) que visa a Concessão da hidrovia do Rio Paraguai.
Nesse parecer, Vasconcelos afirma que, em virtude das estimativas de demanda apresentadas no projeto, verificou-se que mais de 75% da carga transportada pertence a uma única empresa, a LHG Mining, controlada pelo Grupo J&F, afirmando que “caso esse agente econômico torne-se o concessionário, ele deterá posição dominante e poderá abusar deste poder”.
Ele aponta que poderá ocorrer discriminação no acesso à infraestrutura. “O agente verticalizado tem incentivos econômicos para privilegiar a sua própria carga em detrimento dos concorrentes, seja na alocação de capacidade, na definição de horários, na priorização de manutenções ou na resposta a contingências operacionais”.
Também cita a discriminação de preços: “O agente verticalizado pode desenvolver estruturas de preço que, aparentemente neutras, beneficiem o perfil específico de sua própria operação. Taxas de acesso, tarifas por volume, cobranças por serviços acessórios ou descontos para determinados padrões de utilização podem ser desenhados para favorecer o agente dominante, elevando artificialmente os custos dos rivais”.
O relator afirma no documento que “em que pese às precauções concorrenciais previstas no contrato, considero que, se a LHG Mining vencer a concessão, o poder de mercado decorrente da verticalização da operação será difícil de mitigar por meio da regulação contratual. Conjecturo que o sucesso do presente projeto está relacionado à separação entre os interesses dos usuários e o do concessionário da hidrovia”.
Ele compara as concessões hidroviária, ferroviária e rodoviária para justificar o seu voto ao citar que uma linha férrea precisa de grandes investimentos e a viabilidade do projeto em geral está relacionada a associação entre o operador ferroviário e o proprietário da carga. Já no caso hidroviário, afirma que, “conforme apresentado no presente projeto, os investimentos são de baixo montante, por este motivo, proponho nas subseções anteriores que o plano de investimento seja critério de seleção, de modo a elevar os valores previamente estabelecidos no Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (Evtea).
Ao comparar com o modal rodoviário, ressalta que “também percebe-se diferença. A hidrovia é o único meio disponível para o escoamento das mercadorias de empresas interessadas em utilizá-las, ao passo que as rodovias, em grande parte dos casos, dispõem de caminhos alternativos, o que permite maior contestação de mercado, em virtude da dimensão da malha rodoviária nacional”, destacando que a futura concessionária terá “acesso irrestrito ao excedente econômico realizado pelas usuárias da hidrovia. Isso ocorre, fundamentalmente, por razões geográficas, não há outra hidrovia disponível para uso, caso o serviço prestado não atinja os parâmetros ideais”.
Por esses motivos, Vasconcelos conclui que há um risco concorrencial da LHG Mining controlar a hidrovia, por ter acesso a informações sensíveis de seus concorrentes, o controle sobre a tarifa a ser cobrada e o nível de serviço a ser disponibilizado a uma usuária da hidrovia, o que “abre grande janela de oportunidade para manipulação do mercado e práticas anticoncorrenciais, ainda que a Antaq possa realizar o controle de condutas posteriormente”.
Ele afirmou que a mineradora, “por ser a principal usuária da hidrovia, deverá ser a principal ‘fiscal’ do contrato, zelando para que todas as obrigações sejam realizadas e que a hidrovia mantenha os padrões de eficiência esperados”, citando que será criado o Comitê de Dragagem, no qual a LHG Mining deverá ter participação ativa, propondo os melhores projetos de intervenção na hidrovia.
Na avaliação sobre a questão concorrencial, o relator explicou que “sob a hipótese de verticalização, há risco do conflito de interesses prejudicar a isonomia na prestação dos serviços da hidrovia. Sob a hipótese da LHG Mining ser a concessionária, dado que a hidrovia seria um centro de custos, o ideal seria ela não cobrar tarifa de si mesma. Mas, neste caso, o modelo assumiria a natureza de delegação e não de concessão”.
Por esses motivos ele apresentou um voto “visando o sucesso da concessão”, ao declarar que no primeiro momento a empresa LHG Mining, controlada pelo Grupo J&F, e empresas coligadas devem ser vedadas de participação. E, caso não haja interessados no certame, esta vedação seria excluída no segundo momento.
TEXTO
O texto aprovado pelo colegiado definiu que: “A licitação deve ser realizada em duas etapas: etapa 1, com vedação à participação da empresa LHG Mining, controlada pelo Grupo J&F, e suas coligadas. Podem participar nesta fase do certame os demais agentes econômicos que atendam aos requisitos do edital. Etapa 2: participação geral, inclusive da empresa LHG Mining, controlada pelo Grupo J&F, e suas coligadas, desde que na primeira etapa não haja interessados”.
Essa preocupação existe porque o transporte de minério de ferro e manganês brasileiros corresponde a 81% de toda a carga que passa pela hidrovia, de acordo com estudos técnicos da Antaq para o certame, e quase 100% é metal embarcado pela LHG Mining.
No primeiro semestre deste ano, segundo a Assessoria Especial de Economia e Estatística da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação(Semadesc), foram carregados o equivalente a 3,82 milhões de toneladas de minério de ferro em Corumbá, o que corresponde a 84,9% das 4,5 milhões de toneladas de produtos embarcados no período.
Pelos estudos para concessão, a estimativa é de que este ano sejam transportados mais de 10 milhões de toneladas de minério de ferro pela hidrovia, chegando próximo dos 15 milhões de toneladas no ano que vem, crescendo gradativamente, até 25 milhões de toneladas a partir de 2030, quando deve estabilizar nesse patamar.
Para atender a este crescimento na produção, a LHG Mining anunciou investimentos para o transporte de minérios pela hidrovia. São R$ 3,7 bilhões do Fundo da Marinha Mercante (FMM), com a aprovação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para a construção de 400 balsas e de 15 empurradores, destinados ao transporte eficiente de minérios de ferro e manganês pelos Rios Paraná e Paraguai.
Na página da empresa na internet, é enfatizado que “o investimento representa um marco significativo para a expansão da frota nacional de transporte de carga em navegação interior, com um incremento de 16%, e a criação de aproximadamente 5,5 mil empregos diretos e indiretos. Ao priorizar a construção nacional, mesmo diante de um cenário competitivo internacional, a LHG Mining demonstra seu compromisso com o fortalecimento da indústria brasileira e a geração de valor para o País”.
TÉCNICA E PREÇO
No mesmo acórdão foi definido que o critério de julgamento das propostas do processo licitatório da concessão da hidrovia do Rio Paraguai deve ser por técnica e preço, isto é, os critérios devem contemplar o melhor plano de investimentos e a tarifa proposta.
Ficou estabelecido que o critério técnico terá peso de 70% e a tarifa terá peso de 30%, enquanto o critério técnico deverá contemplar o tempo necessário para obter o nível de serviço do projeto, com peso de 30%, e o montante de investimentos socioambientais, com peso de 40%.
O critério de preço deverá contemplar o maior desconto sobre a tarifa base, sendo este limitado a 5% do valor do edital, e o redutor na tarifa aplicável, caso a movimentação supere o cenário previsto de transporte de carga anual do Evtea.
SAIBA
A empresa opera duas minas em Corumbá. A Santa Cruz, que possui uma lavra de minério de ferro a céu aberto de alto teor e está em funcionamento desde 1974; e a Mina Urucum, em operação desde 1903, com uma lavra de minério de ferro a céu aberto e uma subterrânea de manganês.
CE/ML








